Novo anime reconta a história Naoko Takeuchi seguindo o mangá.
Sailor Moon é um senhor um clássico no auge dos seus 22 anos,
uma das mais famosas e lucrativas marcas de anime-mangá do mundo. Mesmo que a
série não tenha envelhecido tão bem, sua influência e apelo nostálgico não se
apagaram com o tempo, que por vezes não é lá muito justo com clássicos
envelhecidos, atirando-os friamente ao ostracismo. Mas, nunca se parou de falar
de Sailor Moon [e olha que estou escrevendo isto pensando no Japão]. Seus fãs
são barulhentos, consomem (menos no
Brasil, rs) e a franquia permaneceu rendendo os mais diversos produtos, em
sua maioria, voltados para o público adulto. Eu até acho engraçado e tosco lingeries
com a grife Sailor Moon, mas é inegável o apelo fetichista da série para ambos
os sexos. Aquele “eu vou te punir”
com as garotas encorpadas com pernocas de fora, saltinho e sexy appeal, mais um
Tuxedo Mask; um homem mascarado de smoking, misterioso e atrativo, servil e
protetor, romântico e provocante – realmente podem atiçar a imaginação. Você
aceitaria representar essa fantasia sexual com seu parceiro (a), por mais brega que fosse? Eu sei
que há pessoas com fetiches mais constrangedores que este!
Eu não cresci com Sailor Moon, tampouco foi o meu primeiro
anime, mas fui uma das daquelas pessoas que não conseguiram escapar ilesas à
onda nostálgica da série. Em 2008 vi um pedaço do anime sendo transmitido na
tv, era a fase R. Já tinha ouvido falar da série nesses programas e bate-papo
de nostalgistas, mas este foi meu primeiro contato direto. Me chamou atenção o
suficiente ao ponto de correr atrás para saber mais e em seguida baixar toda a
primeira temporada dublada. Foi paixão instantânea. Tanto a abertura quanto o
primeiro episódio com aquela animação elástica e efeito pastelão me soaram
encantadores. Devorei toda a série, que me fez rir como quase nenhuma série de
humor consegue, me fez chorar diversas vezes, me irritou e me encantou. É um
dos meus animes preferidos, mesmo com todos os seus problemas e nem falo isto
sendo tomada por onda nostálgica, falo consciente. O anime realmente me envolveu
pra caramba e posso pegar meus episódios preferidos e eles ainda me encantam e
me levam a gargalhadas. Assim como a maioria das obras criadas por nós, tem
suas falhas e seus acertos.
Com este aparente revival de animes clássicos recebendo uma
releitura atualizada, os 20 anos de aniversário de uma das séries mais
lucrativas do estúdio Toei Animation e a publica insatisfação da autora Naoko
Takeuchi com os rumos tomados pelo anime de 1992 [que deturpou muitos dos
conceitos originais], “todos” ficaram apreensivos com o anuncio de um novo
anime e, principalmente, que fosse fiel ao mangá com sua áurea mais obscura e menos
infantilizado. O desejo foi atendido e, ainda que com muitos atrasos na
produção, aqui estamos. Sailor Moon Crystal, 26 episódios de 25 minutos exibidos
duas vezes por mês a cada 15 dias durante 1 ano, seguindo fielmente o mangá.
Assisti ao primeiro episódio duas vezes; a primeira através
da distribuição mundial (aqui no Brasil,
pelo Crunchyroll – com legendas razoavelmente boas, já que quem traduziu não se
atentou ao fato de que aqui no Brasil nenhum colega de escola da mesma idade
chama o outro de “senhora” ou “senhorita”, além de omitirem termos como quando
Usagi chama sua mãe de baka, que significa bobo/idiota. Tem o mérito de ser
oficial, mas não primaram muito pela sutileza. Vão dizer “mas é oficial, não tem nem comparação”. Nestes casos, é bom se
atentar ao fato de que nem tudo que é oficial é bem feito, o primeiro BOX de
Fullmetal Alchemist lançado por aqui que o diga) e segunda pelo excelente
trabalho do Aenianos com as legendas. Percebi que é um bom e redondinho primeiro episódio, mas é apenas bom. Funciona
melhor para quem já é fã e conhece a história toda, principalmente pelo teor nostálgico.
Bate muito forte neste aspecto, houve quem chorou e se emocionou. Mas para quem
está por ventura tendo seu primeiro contato agora, creio que não diz muito.
Pelo contrário, a trama é bem fraca e serve basicamente para introduzir Usagi (Kotono Mitsuishi) e a mitologia da
série – o que acontece sem grandes conflitos.
Como será perceptível, o ritmo da série é o ritmo comum para
a época em que fora criada, mas que já se encontra ultrapassado. Inclusive, o
anime clássico neste aspecto oferece um apelo maior, por ser um pastelão de
comédia rasgada. Pela proposta ser adaptar com fidelidade, não há muito que
mexer a não ser cortar um pouco aqui e ali, abreviando algumas aparições e tramas,
a fim de manter o ritmo o mais ágil possível. Esta que deve uma das 5 maiores
reclamações de muitos fãs (ao lado de: a
seiyuu original, transformação em CG, historia batida e, pasmem, fidelidade ao
original!!!!!), uma vez que o mangá trata de forma breve muitas tramas e um
dos aspectos mais fortes do anime era o tempo para trabalhar melhor os
personagens e suas relações. Se não me engano, no anime antigo a Ami (Sailor Mecury, interpretada por Hisako Kanemoto) só aparece por volta do episodio 8 (!!!!!!!!), enquanto aqui já faz uma ponta no final do primeiro e
já protagoniza o próximo.
Perde-se um pouco da caracterização e a naturalidade da
dinâmica de grupo promovida pelo outro anime que se mostrou crucial em cenas
emocionais envolvendo suas amizades, mas por outro lado seguindo o mangá
teremos tramas muito mais coesas/complexas e conflitos mais instigantes, além
de um crescimento gradativo mais substancial da Usagi – que começa como um bebê
chorão irresponsável e aos poucos vai se tornando mais madura. Entre as alterações,
a que mais chama a atenção é com relação aos sonhos de Usagi, que são na verdade
um prenúncio e tanto no anime quanto no mangá é algo que se cria certo
mistério, com os sonhos começando bem mais adiante (em Crystal, nos sonhos de Usagi a princesa ao invés de cabelos brancos
tem cabelos amarelos, mas me pergunto se não foi um momento de distração).
Gostei e está entre as alterações mais acertadas da nova produção. Oras, era
algo que fazia sentido no mangá e no anime, na época em que foram lançados.
Hoje, o grosso do publico do remake já conhece a série e seus rumos, não há
porque fazer suspense, sendo que narrativamente para esse novo anime é um
artificio que funciona melhor como estimulação. Além de ter dado mais
substância a um episódio introdutório raso. Cria interesse na nova audiência e
mostra que a história tem uma premissa muito maior do que aparenta. Se é o
suficiente até que o anime chegue no seu melhor, eu já não sei.
Uma das coisas boas disto tudo – e decisões como esta deixam
isso mais claro – é que Sailor Moon Crystal tem como publico alvo os que já são
fãs ou acompanharam a série. A produção é segura e fechada, sem se tornar refém
dos meandros da indústria, atendendo prontamente como um grande fanservice para
os fãs cativos. Se no inicio alguns imaginavam que a volta de Sailor Moon
colocaria seu sucessor espiritual [a série Precure] de molho, a decisão de um
tratamento especial para o remake se mostrou o mais adequado. Primeiro que para
atender às demandas de uma autora e fandom que deseja uma série que faça justiça
ao original, se faz necessário um tratamento alternativo. A estrutura do mangá
é inadequada para as ambições comerciais de um comitê de produção. Mahou shoujo
precisa ser episódico com muitos episódios e monstros da semana criativos para
vender cacarecos, e Sailor Moon em determinado momento abandona o ritmo
episódico para abraçar uma narrativa mais linear. Inclusive, sem os exageros típicos
de monstros de tudo que é forma e objeto, o que não seria atraente para fazer a
série vender entre as crianças.
Segundo que, para fazer um primeiro episódio tão acima da
média em termos de produção de anime para tv, com uma iluminação tão bem
aplicada, character design, linhas e CG bem polidas, cores vividas e movimentos
fluidos, se faria necessária uma estrutura de produção atípica das séries da
Toei e a atenção da sua equipe principal voltada exclusivamente para Sailor
Moon, uma série com prazo de validade. Definitivamente não seria um bom negocio
trocar Precure por Sailor Moon. Terceiro, para que possamos ver esse belíssimo
trabalho de acabamento no visual da série, uma staff padrão da Toei necessita
de muito mais tempo de produção.
O resultado é bonito e especialmente apaixonante para quem
já é fã (poxa, poder ver todos os
personagens com character design atualizado e consistente, boa animação, cores
e etc. é um sonho virando realidade. Tecnicamente, superior ao anime antigo),
claro, embora esteja longe do ideal. A base da staff é formada por funcionários
cativos do estúdio e não me parece seus nomes mais talentosos estejam
envolvidos neste projeto, ao contrário do primeiro que teve lá seus bons
momentos. É cedo para julgar, mas o primeiro episódio não cativa por detalhes
minimalistas. Falta um toque individual que desequilibre. Por exemplo, a
polêmica cena de transformação da Usagi conta com um 3DCG com texturas 2D de boa
qualidade (acima da média), mas peca
nos pequenos detalhes de movimentos que não são tão suaves e uma animação que
entrega o emprego da técnica de computação gráfica mesmo num primeiro olhar.
Também diria que o storyboard dessa transformação não é tão inventivo, mas já
devem estar me achando muito chata aqui. De qualquer forma, espero ver melhores
trabalhos nos momentos mais fortes e seja como for, a Toei tá fazendo um
trabalho bem bacana em suas séries com a técnica de 3DCG. Andei vendo vídeos de
outras séries do estúdio com a técnica e o resultado é muito bonito. A própria
transformação da Usagi é bonita por si só, mas eu não acho que seja pedir
demais algo superior para uma produção especial e uma sequênciazinha de poucos
segundos que irá se repetir continuamente durante 26 episódios. Outras
transformações de animes do mesmo estúdio demonstram um requinte superior.
Sailor V Game 1992//2014 (eu quero!!!) |
Isto tudo não quer dizer que Sailor Moon Crystal não esteja
sendo lucrativo para a Toei e afiliados e foi jogado para escanteio. Toei não é
um estúdio conhecido por ser benevolente (quem
é quando o assunto é $$$?) e está colhendo os louros. Mas é um projeto
comemorativo que tem data para terminar. E é bom que seja assim, adorei o
visual e os aspectos de produção fidelíssimos ao conceito da obra de Takeuchi,
mas atualizando o máximo que podem os seus elementos. Por exemplo, o game da
Sailor V que agora está mais moderno, personagens utilizando smartphone ou a
excelente escolha das garotas do Momoiro Clover Z para cantar os temas de
abertura e encerramento. As momoclos são um grupo feminino com um conceito de
formação de super sentai, inclusive elas brincam muito com isso – eu adoro seus
clips, são sempre divertidos. Além de seu publico majoritário ser feminino, ao
contrario de maioria das girls band. Há essas similaridades com Sailor Moon, que
tem esse forte apelo entre as mulheres e formação conceitual de super sentai. A
letra de abertura expressa exatamente o que a essência da série: “(...)
não vamos esperar que um príncipe nos salve, vamos lutar por conta própria e
moldar nossos destinos! (...) Não somos garotas desamparadas, que precisam de
proteção!”.
Obviamente que não tem o mesmo peso do tema clássico, nem
mesmo a trilha sonora ainda se mostrou tão boa quanto (calma, eu sei, temos muito pela frente ainda). O mangá original
escrito por Takeuchi é um grande e influente clássico, que popularizou o gênero
mahou shoujo e se antes garotas magicas agiam solitariamente [como a Kiki de Kiki's Delivery Service], Sailor Moon fundamentou a estrutura de grupo reforçando os
valores no amor e amizade, além de romper com a imagem tradicional da mulher
passiva. Tem seus méritos, mas o mangá também deve muito ao anime por sua
popularidade. Sailor Moon nasceu com o volume único de Codename Sailor V, que
pelo sucesso, a Toei Animation percebeu seu potencial e contatou Takeuchi,
sugerindo que ela reformulasse o conceito em uma nova série, para que pudessem
adaptar para anime, com ela então se inspirando em seu gosto por super sentai
para criar um grupo de garotas que lutam pela justiça e amor, desenvolvendo um
universo rico de referências greco-romanas e astronômica, entre outras diversas
(acredita, são muitas referências). O
anime saiu poucos dias depois que Sailor Moon começou sua serialização. O
planejado era o mangá se estender por dez capítulos e o anime 40 episódios, mas
o sucesso fez com que o mangá alcançasse a marca de 52 capítulos e o anime 200
episódios. O anime que era bem instável tecnicamente, ainda contava com o
talento de grandes nomes como os diretores Junichi Sato (Kaleido Star) e Kunihiko Ikuhara (Mawaru Penguindrum, Shoujo Kakumei Utena),
que com a staff trouxeram inventividade para vencer a barreira de longos
episódios. O anime é polêmico com seus monstros da semana infantilizados e
muito filler, mas foi onde se enxergou o potencial para se vender produtos
relacionados com o mahou shoujo.
Agora Sailor Moon Crystal tem a chance de mostrar o que há
de melhor no original, vejamos como se sai. Começou bem, apesar das ressalvas.
Aliás, ai vai mais uma: se a moda é renovar, deveriam ter escolhido uma nova
dubladora para o papel de Usagi. Aparentemente os fãs têm muito carinho com a
antiga, mas se antes sua performance se adequava com a Usagi elástica e o
timing de humor pastelão, no novo anime isto não cai tão bem.
Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★