terça-feira, 8 de julho de 2014

Sailor Moon Crystal Act. 1: De Volta às Origens

Novo anime reconta a história Naoko Takeuchi seguindo o mangá.
Sailor Moon é um senhor um clássico no auge dos seus 22 anos, uma das mais famosas e lucrativas marcas de anime-mangá do mundo. Mesmo que a série não tenha envelhecido tão bem, sua influência e apelo nostálgico não se apagaram com o tempo, que por vezes não é lá muito justo com clássicos envelhecidos, atirando-os friamente ao ostracismo. Mas, nunca se parou de falar de Sailor Moon [e olha que estou escrevendo isto pensando no Japão]. Seus fãs são barulhentos, consomem (menos no Brasil, rs) e a franquia permaneceu rendendo os mais diversos produtos, em sua maioria, voltados para o público adulto. Eu até acho engraçado e tosco lingeries com a grife Sailor Moon, mas é inegável o apelo fetichista da série para ambos os sexos. Aquele “eu vou te punir” com as garotas encorpadas com pernocas de fora, saltinho e sexy appeal, mais um Tuxedo Mask; um homem mascarado de smoking, misterioso e atrativo, servil e protetor, romântico e provocante – realmente podem atiçar a imaginação. Você aceitaria representar essa fantasia sexual com seu parceiro (a), por mais brega que fosse? Eu sei que há pessoas com fetiches mais constrangedores que este!
Eu não cresci com Sailor Moon, tampouco foi o meu primeiro anime, mas fui uma das daquelas pessoas que não conseguiram escapar ilesas à onda nostálgica da série. Em 2008 vi um pedaço do anime sendo transmitido na tv, era a fase R. Já tinha ouvido falar da série nesses programas e bate-papo de nostalgistas, mas este foi meu primeiro contato direto. Me chamou atenção o suficiente ao ponto de correr atrás para saber mais e em seguida baixar toda a primeira temporada dublada. Foi paixão instantânea. Tanto a abertura quanto o primeiro episódio com aquela animação elástica e efeito pastelão me soaram encantadores. Devorei toda a série, que me fez rir como quase nenhuma série de humor consegue, me fez chorar diversas vezes, me irritou e me encantou. É um dos meus animes preferidos, mesmo com todos os seus problemas e nem falo isto sendo tomada por onda nostálgica, falo consciente. O anime realmente me envolveu pra caramba e posso pegar meus episódios preferidos e eles ainda me encantam e me levam a gargalhadas. Assim como a maioria das obras criadas por nós, tem suas falhas e seus acertos.

Com este aparente revival de animes clássicos recebendo uma releitura atualizada, os 20 anos de aniversário de uma das séries mais lucrativas do estúdio Toei Animation e a publica insatisfação da autora Naoko Takeuchi com os rumos tomados pelo anime de 1992 [que deturpou muitos dos conceitos originais], “todos” ficaram apreensivos com o anuncio de um novo anime e, principalmente, que fosse fiel ao mangá com sua áurea mais obscura e menos infantilizado. O desejo foi atendido e, ainda que com muitos atrasos na produção, aqui estamos. Sailor Moon Crystal, 26 episódios de 25 minutos exibidos duas vezes por mês a cada 15 dias durante 1 ano, seguindo fielmente o mangá.
Assisti ao primeiro episódio duas vezes; a primeira através da distribuição mundial (aqui no Brasil, pelo Crunchyroll – com legendas razoavelmente boas, já que quem traduziu não se atentou ao fato de que aqui no Brasil nenhum colega de escola da mesma idade chama o outro de “senhora” ou “senhorita”, além de omitirem termos como quando Usagi chama sua mãe de baka, que significa bobo/idiota. Tem o mérito de ser oficial, mas não primaram muito pela sutileza. Vão dizer “mas é oficial, não tem nem comparação”. Nestes casos, é bom se atentar ao fato de que nem tudo que é oficial é bem feito, o primeiro BOX de Fullmetal Alchemist lançado por aqui que o diga) e segunda pelo excelente trabalho do Aenianos com as legendas. Percebi que é um bom e redondinho primeiro episódio, mas é apenas bom. Funciona melhor para quem já é fã e conhece a história toda, principalmente pelo teor nostálgico. Bate muito forte neste aspecto, houve quem chorou e se emocionou. Mas para quem está por ventura tendo seu primeiro contato agora, creio que não diz muito. Pelo contrário, a trama é bem fraca e serve basicamente para introduzir Usagi (Kotono Mitsuishi) e a mitologia da série – o que acontece sem grandes conflitos.

Como será perceptível, o ritmo da série é o ritmo comum para a época em que fora criada, mas que já se encontra ultrapassado. Inclusive, o anime clássico neste aspecto oferece um apelo maior, por ser um pastelão de comédia rasgada. Pela proposta ser adaptar com fidelidade, não há muito que mexer a não ser cortar um pouco aqui e ali, abreviando algumas aparições e tramas, a fim de manter o ritmo o mais ágil possível. Esta que deve uma das 5 maiores reclamações de muitos fãs (ao lado de: a seiyuu original, transformação em CG, historia batida e, pasmem, fidelidade ao original!!!!!), uma vez que o mangá trata de forma breve muitas tramas e um dos aspectos mais fortes do anime era o tempo para trabalhar melhor os personagens e suas relações. Se não me engano, no anime antigo a Ami (Sailor Mecury, interpretada por Hisako Kanemoto) só aparece por volta do episodio 8 (!!!!!!!!), enquanto aqui já faz uma ponta no final do primeiro e já protagoniza o próximo.

Perde-se um pouco da caracterização e a naturalidade da dinâmica de grupo promovida pelo outro anime que se mostrou crucial em cenas emocionais envolvendo suas amizades, mas por outro lado seguindo o mangá teremos tramas muito mais coesas/complexas e conflitos mais instigantes, além de um crescimento gradativo mais substancial da Usagi – que começa como um bebê chorão irresponsável e aos poucos vai se tornando mais madura. Entre as alterações, a que mais chama a atenção é com relação aos sonhos de Usagi, que são na verdade um prenúncio e tanto no anime quanto no mangá é algo que se cria certo mistério, com os sonhos começando bem mais adiante (em Crystal, nos sonhos de Usagi a princesa ao invés de cabelos brancos tem cabelos amarelos, mas me pergunto se não foi um momento de distração). Gostei e está entre as alterações mais acertadas da nova produção. Oras, era algo que fazia sentido no mangá e no anime, na época em que foram lançados. Hoje, o grosso do publico do remake já conhece a série e seus rumos, não há porque fazer suspense, sendo que narrativamente para esse novo anime é um artificio que funciona melhor como estimulação. Além de ter dado mais substância a um episódio introdutório raso. Cria interesse na nova audiência e mostra que a história tem uma premissa muito maior do que aparenta. Se é o suficiente até que o anime chegue no seu melhor, eu já não sei.
Uma das coisas boas disto tudo – e decisões como esta deixam isso mais claro – é que Sailor Moon Crystal tem como publico alvo os que já são fãs ou acompanharam a série. A produção é segura e fechada, sem se tornar refém dos meandros da indústria, atendendo prontamente como um grande fanservice para os fãs cativos. Se no inicio alguns imaginavam que a volta de Sailor Moon colocaria seu sucessor espiritual [a série Precure] de molho, a decisão de um tratamento especial para o remake se mostrou o mais adequado. Primeiro que para atender às demandas de uma autora e fandom que deseja uma série que faça justiça ao original, se faz necessário um tratamento alternativo. A estrutura do mangá é inadequada para as ambições comerciais de um comitê de produção. Mahou shoujo precisa ser episódico com muitos episódios e monstros da semana criativos para vender cacarecos, e Sailor Moon em determinado momento abandona o ritmo episódico para abraçar uma narrativa mais linear. Inclusive, sem os exageros típicos de monstros de tudo que é forma e objeto, o que não seria atraente para fazer a série vender entre as crianças.

Segundo que, para fazer um primeiro episódio tão acima da média em termos de produção de anime para tv, com uma iluminação tão bem aplicada, character design, linhas e CG bem polidas, cores vividas e movimentos fluidos, se faria necessária uma estrutura de produção atípica das séries da Toei e a atenção da sua equipe principal voltada exclusivamente para Sailor Moon, uma série com prazo de validade. Definitivamente não seria um bom negocio trocar Precure por Sailor Moon. Terceiro, para que possamos ver esse belíssimo trabalho de acabamento no visual da série, uma staff padrão da Toei necessita de muito mais tempo de produção.
O resultado é bonito e especialmente apaixonante para quem já é fã (poxa, poder ver todos os personagens com character design atualizado e consistente, boa animação, cores e etc. é um sonho virando realidade. Tecnicamente, superior ao anime antigo), claro, embora esteja longe do ideal. A base da staff é formada por funcionários cativos do estúdio e não me parece seus nomes mais talentosos estejam envolvidos neste projeto, ao contrário do primeiro que teve lá seus bons momentos. É cedo para julgar, mas o primeiro episódio não cativa por detalhes minimalistas. Falta um toque individual que desequilibre. Por exemplo, a polêmica cena de transformação da Usagi conta com um 3DCG com texturas 2D de boa qualidade (acima da média), mas peca nos pequenos detalhes de movimentos que não são tão suaves e uma animação que entrega o emprego da técnica de computação gráfica mesmo num primeiro olhar. Também diria que o storyboard dessa transformação não é tão inventivo, mas já devem estar me achando muito chata aqui. De qualquer forma, espero ver melhores trabalhos nos momentos mais fortes e seja como for, a Toei tá fazendo um trabalho bem bacana em suas séries com a técnica de 3DCG. Andei vendo vídeos de outras séries do estúdio com a técnica e o resultado é muito bonito. A própria transformação da Usagi é bonita por si só, mas eu não acho que seja pedir demais algo superior para uma produção especial e uma sequênciazinha de poucos segundos que irá se repetir continuamente durante 26 episódios. Outras transformações de animes do mesmo estúdio demonstram um requinte superior.
Sailor V Game 1992//2014 (eu quero!!!)
Isto tudo não quer dizer que Sailor Moon Crystal não esteja sendo lucrativo para a Toei e afiliados e foi jogado para escanteio. Toei não é um estúdio conhecido por ser benevolente (quem é quando o assunto é $$$?) e está colhendo os louros. Mas é um projeto comemorativo que tem data para terminar. E é bom que seja assim, adorei o visual e os aspectos de produção fidelíssimos ao conceito da obra de Takeuchi, mas atualizando o máximo que podem os seus elementos. Por exemplo, o game da Sailor V que agora está mais moderno, personagens utilizando smartphone ou a excelente escolha das garotas do Momoiro Clover Z para cantar os temas de abertura e encerramento. As momoclos são um grupo feminino com um conceito de formação de super sentai, inclusive elas brincam muito com isso – eu adoro seus clips, são sempre divertidos. Além de seu publico majoritário ser feminino, ao contrario de maioria das girls band. Há essas similaridades com Sailor Moon, que tem esse forte apelo entre as mulheres e formação conceitual de super sentai. A letra de abertura expressa exatamente o que a essência da série: “(...) não vamos esperar que um príncipe nos salve, vamos lutar por conta própria e moldar nossos destinos! (...) Não somos garotas desamparadas, que precisam de proteção!”.

Obviamente que não tem o mesmo peso do tema clássico, nem mesmo a trilha sonora ainda se mostrou tão boa quanto (calma, eu sei, temos muito pela frente ainda). O mangá original escrito por Takeuchi é um grande e influente clássico, que popularizou o gênero mahou shoujo e se antes garotas magicas agiam solitariamente [como a Kiki de Kiki's Delivery Service], Sailor Moon fundamentou a estrutura de grupo reforçando os valores no amor e amizade, além de romper com a imagem tradicional da mulher passiva. Tem seus méritos, mas o mangá também deve muito ao anime por sua popularidade. Sailor Moon nasceu com o volume único de Codename Sailor V, que pelo sucesso, a Toei Animation percebeu seu potencial e contatou Takeuchi, sugerindo que ela reformulasse o conceito em uma nova série, para que pudessem adaptar para anime, com ela então se inspirando em seu gosto por super sentai para criar um grupo de garotas que lutam pela justiça e amor, desenvolvendo um universo rico de referências greco-romanas e astronômica, entre outras diversas (acredita, são muitas referências). O anime saiu poucos dias depois que Sailor Moon começou sua serialização. O planejado era o mangá se estender por dez capítulos e o anime 40 episódios, mas o sucesso fez com que o mangá alcançasse a marca de 52 capítulos e o anime 200 episódios. O anime que era bem instável tecnicamente, ainda contava com o talento de grandes nomes como os diretores Junichi Sato (Kaleido Star) e Kunihiko Ikuhara (Mawaru Penguindrum, Shoujo Kakumei Utena), que com a staff trouxeram inventividade para vencer a barreira de longos episódios. O anime é polêmico com seus monstros da semana infantilizados e muito filler, mas foi onde se enxergou o potencial para se vender produtos relacionados com o mahou shoujo.

Agora Sailor Moon Crystal tem a chance de mostrar o que há de melhor no original, vejamos como se sai. Começou bem, apesar das ressalvas. Aliás, ai vai mais uma: se a moda é renovar, deveriam ter escolhido uma nova dubladora para o papel de Usagi. Aparentemente os fãs têm muito carinho com a antiga, mas se antes sua performance se adequava com a Usagi elástica e o timing de humor pastelão, no novo anime isto não cai tão bem. 

Avaliação: ★   ★ ★
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