Neste episódio, a implacáveis sombras do passado e da solidão.
Episódio de confrontação. Também um episódio que escancara o
sentimento de solidão dos nossos protagonistas Shibasaki, Lisa, Nine e Twelve.
Enquanto confrontação, Shibasaki e Lisa enfrentam seus maiores desafios. Sphinx
é para Shibasaki sua oportunidade de dar a volta por cima e sair do tedioso subsolo
obscuro dos arquivos mortos para os holofotes da câmera fazendo aquilo que sabe
de melhor, desafiando abertamente seus adversários. Lisa que nos dois primeiros
episódios se mostra perdida em meio a multidão, procura agora um caminho de
liberdade, longe da pressão da mãe desequilibrada e dos colegas opressores.
Enquanto do ponto de vista da Sphinx, Nine e Twelve estão confrontando alguém
em especial, procurando chamar sua atenção.
Shibasaki é o clássico detetive de histórias policiais,
aquele que consegue abstrair pistas e informações até mesmo de um jogo de Puzzle
& Dragons jogado por alguém e conectar ao seu quebra-cabeça. Homem de meia-idade,
excêntrico, solitário, de meias palavras, com um passado trágico ou misterioso,
que agora vive no ostracismo, mas então é chamado de volta para resolver um
caso que ninguém mais consegue. Embora seu raciocínio seja lógico, está muito
acima de uma pessoa normal. É o clássico detetive sherlockiano de perspicácia
impressionante. Dito isto, este episódio é centrado nele, mas é agradável como
o roteiro conecta todas as informações e faz com que tudo que se apresente se
mostre com potencial de importância para o enredo geral, sendo um episódio de
transição mais forte que a média.
Achei curiosa a reação de Nine ao perceber que a polícia conectou o roubo do plutônio a Sphinx,
com eles sentindo a polícia está chegando mais perto, evidentemente. E
deve chegar ainda mais, tendo em vista que Nine não apenas é filmado
implantando a bomba (embora o rosto
tenha ficado apenas parcialmente a mostra), como também visto por diversas
pessoas, que fazem um desenho falado seu. Se o roteiro continuar sendo lógico,
é esperado que a sua identidade não demore a ser desvendada. Ainda mais com
traços físicos tão marcantes. Mas achei curioso no sentido de que ou 1) eles achavam que a polícia iria demorar para juntar as pistas ou 2) o fato de terem percebido, traz alguma implicação para os planos deles.
O enigma edipiano continua em voga, o que faz suspeitar que
eles estejam seguindo um padrão. Conectá-lo ao enigma anterior foi uma boa
jogada e tornando-o ainda mais difícil, mas que pode levar a polícia a ter um
trunfo. Assim, a série também continua dizendo muito subjetivamente, seja pelas
sequências silenciosos envolvendo Lisa sem quase nenhum texto ou por esse hipotético
padrão adotado por Nine e Twelve. A instituição da qual fugiram parece ser um
local que recolhe órfãos e crianças abandonadas para torna-las super dotadas e
com uma inteligência acima da média (algo
parecido com a Wammy's House, que vemos em Death Note, instituição no qual
foram treinadas crianças hiper-inteligentes, sendo uma destas, L), ou algo
neste sentido, onde essas crianças parecem ser tratadas mais como objetos de
estudo do que seres humanos. Este passado de Sphinx também se assemelha com elementos
da mitologia de Édipo, em que o Rei Laio recebe a profecia de que ele será
morto por sua descendência, que tomará seu lugar. Nine e Twelve provocam um incêndio
no instituto que os acolheu, fogem e se revoltam contra este sistema. A Esfinge (Sphinx) atormentava e causava insegurança
na cidade com seus enigmas indecifráveis, até Édipo surgir.
O misterioso incidente com o Secretário, a vida de Shibasaki
que é afetada por ele, a paranoia de abandono da mãe de Lisa, o próprio estado
mental de Lisa que fora duramente afetada por esta instabilidade familiar, um instituto
de crianças abandonadas, Nine e Twelve, a intrigante personagem de cabelos
brancos – como tudo todos estes eventos se interligam? Novamente as deusas Moiras
entrelaçam o destino de cada personagem, onde nada parece ser por acaso. Como o
incidente que envolveu Shibasaki ocorreu 15 anos atrás, há muita gente
especulando que Lisa seja sua filha, e que influenciado por seu afastamento do
caso, ele acabou abandonando a família. Fuga e abandono são temas comuns a
personagens masculinos nas obras do Watanabe, logo não seria nada
surpreendente, principalmente pela temática de destino que a série ostenta [e
para onde Lisa estaria fugindo? Sem rumo? Para os braços de seu pai? Ela o
conhece? QUESTÕESsssssss~].
Inclusive, há algo de curioso com essa história que se passa
no verão, onde vemos o choro das cigarras ao fundo e diversas vezes o som de
trens atravessando a narrativa. Cigarras, como já comentei por aqui, pode ser
usado como um simbolismo forte para renascimento e a natureza cíclica das
coisas, e o trem costuma ser associado como uma metáfora para a natureza
fatalista do destino.
***
“Eu pensei que os jovens de hoje em dia recuariam para suas próprias
conchas, mas parece que eles querem se conectar aleatoriamente a outras pessoas.”
“Você é uma cumplice, mas não é uma de nós.”
Até então, mesmo sem muitos diálogos e flutuando na
narrativa, Lisa me soa como a personagem mais instigante. Sua melancolia me
fascina no extremo oposto ao qual me sinto atraída pelo sorriso e olhar sínico
de Twelve. O seu silêncio, a sua solidão e suas atitudes dizem mais do que
qualquer diálogo poderia fazer e por ser algo que vemos, ao invés de ouvir
através de alguma exposição, é que se torna possível seus conflitos baterem do
outro lado da tela de forma tão forte. Todas as suas expressões e ações mostram
que ela queria ser sim, um deles. Talvez não exatamente fazer o que eles fazem,
mas poder contar com a suas amizades, companheirismo e de amborés terem uma
conexão – a certa altura, Nine e Twelve têm um diálogo significativo, em que um
diz para o outro não se apegar demais, com este respondo que sabe perfeitamente
que se fizesse isso, depois doeria muito mais [obviamente ele está se referindo
à apego emocional].
Acho arrepiante a expressão de surpresa de Lisa quando Twelve
diz que ela não está com eles. Acredito que a forma como reage é mais por isto
do que pela ameaça, sendo que pouco antes ela se mostrava tomada por um misto
de sentimentos com o fato de ser cumplice deles, e eu poderia apostar que era
mais excitação do que vontade de fugir deles. Pertencer a algo, se conectar a alguém.
Parecem coisas que Lisa teve muito pouco em sua vida, tendo em vista o aparente
“abandono” do pai, o estado mental deteriorado de sua mãe, as perseguições de
seus colegas ou simplesmente o fato de a ignorarem. Lisa não parece ter paz ou
se sentir livre em lugar algum. Pessoas que passam por isso tendem a desejar
que tudo o que lhes rodeiem desapareça, ao passo que ou fogem ou tentam o suicídio.
Rotulam a Sphinx como adolescentes desejosos de atenção, e
não poderiam ser mais pontuais na dedução. Solidão e abandono permeiam nossos
protagonistas, e acordar a sociedade, fazendo com que ela volta a enxergar algo,
é a grande proposta da Sphinx. Emily, em seu blog [em inglês], faz uma interessante observação, relacionando a questão das crianças abandonadas e ignoradas pelasociedade em Zankyou no Terror às crianças invisíveis de Mawaru Penguindrum.
Realmente os temas das duas séries se estreitam bastante neste aspecto,
inclusive Mawaru aborda efusivamente a questão dos ataques terroristas e o
estado lisérgico da sociedade. O ponto? Em Mawaru, a sociedade é grande culpada
por estes atos revoltosos de seus filhos, sendo isto uma ácida critica social
muito comum por parte de artistas e críticos com relação a postura da sociedade
ao se perguntarem “de quem é a culpa por um país sofrer atentados por parte de
seus próprios filhos? Mas se esquecem de perguntar o que os levaram a atos tão bárbaros”.
Semana passada comentei superficialmente sobre a questão da solidão e a
necessidade de se pertencer e algo ou alguém [Ser Ou Não Ser...A Necessidade de Pertencer], o sentimento de ser invisível e de não ter ninguém a quem se conectar
é paradoxalmente horrível, no sentido de necessitarmos ser individualistas, mas
não vivermos sem o coletivo. Oras, a explosão das redes sociais, espaços de
comentários e fóruns mostram o quanto ansiamos por compartilhar, sermos lidos e
comentados.
John Donne, poeta inglês do século XVI, já dizia: “Nenhum
homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte
do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um
promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte
de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso,
nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.
Compartilho dessa reflexão, em que Donne sugeria que nenhum alguém
pode viver só e que somos naturalmente interligados. Ter um lugar pra voltar,
amigos para compartilhar algo, saber que sua existência é notada por alguém. Às
vezes negamos tudo isso, mas muitas das nossas inquietações e conflitos se
originam deste sentimento de abandono e a necessidade de integração.
Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★
Roteiro: Shoten Yano
Storyboard: Minoru Yamaoka
Direção do episódio: Minoru Yamaoka
Direção: Shinichiro Watanabe
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-O @PedroSEkman estava comentando que parecia o Near, de Death Note na instituição Wammy's House. Esta é Five, nosso personagem que ainda não deu as caras, mas que parece ser a quem Nine e Twelve estejam desafiando de verdade, ao contrário do que eu pensei inicialmente (achei que eles estava desafiando Shibazaki, mas ser ela faz muito mais sentido). Ela é a garota que lhes atormentam em pesadelos durante as noites, que ficou para trás durante a fuga e que parece ter seguido outro caminho.
-Tudo branco e esterilizado, esse lugar parece um laboratório. Há muita gente fazendo comparações com Death Note, e realmente faz lembrar em vários aspectos. Fiquei aqui bolando teorias loucas: e se Zankyou no Terror fosse um Death Note em um mundo mais realista, em que as crianças treinadas para serem superinteligentes, usassem essa inteligência para cometer crimes e acusar o estado? POkpOKSsokoSKOP --- mas falando sério, eu me lembro vagamente de outras obras que também possuem instituições com crianças, uma inclusive [da qual não me recordo o nome], formavam crianças para ocuparem posições de destaque em suas sociedades. Ah, me lembrei! É o mangá The Hour Of The Mice, da Toume Kei.
-A fotografia fotorrealista de Zankyou continua impressionante, com uso perspicaz de espaço negativo, sombras, iluminação. Elementos que ajudam a contar alguma coisa da história. Como a vida da Lisa tomada pela escuridão, em que o espaço negativo também serve para expressar seu distanciamento da luz; por trás da vidraça, as pessoas correm e brincam, enquanto ela segue solitária entre a solidão. Acho fantástico como o espaço distorcido denuncia sua solidão e pequenez em contraste a um mundo vibrante e colorido. Narrativa visual exemplar.
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