A
primeira temporada de Toaru Kagaku no Railgun me deixou com uma sensação
ambígua. Por um lado, possuía um interessante universo de pessoas com super
poderes e lutas aparentemente simples, porém inteligentes e muito bem feitas,
chegando a lembrar Darker Than Black. Do outro lado, quando as protagonistas
não estavam lutando, parecia um longo e torturante Shoujo/Yuri. De qualquer
modo, fui fisgado a explorar a segunda temporada (o que já quer dizer alguma
coisa) e, para minha agradável surpresa, parecia que eu estava vendo outro
anime. Com uma atmosfera incrivelmente sombria e uma animação muito mais
competente, Railgun S pisa no acelerador e só melhora exponencialmente. As duas
temporadas parecem ser feitas para públicos completamente distintos. E eu não vi
necessidade nenhuma de ter assistido a primeira, portanto recomendo que comecem
por essa segunda sem problema nenhum.
Isto é, até chegar na reta final e a
trama voltar ao Shoujo/Yuri, em uma das maiores decepções que já tive
assistindo uma série.
A trama
se passa em uma Cidade Escola, onde a maioria de seus habitantes são
estudantes. Alguns deles possuem habilidades bem específicas (teletransporte,
eletricidade, manipulações) e alguns trabalham para uma agência chamada
Judgment, que cuida da organização da cidade. O nível de poder dos alunos é
medido de 0 a 5 e a protagonista Misaka (ou “Railgun”, devido sua habilidade com raios) é uma das pouquíssimas de Level 5.
Railgun
S inicia com situações básicas que recapitulam o que eu acabei de citar, e nos
situam a Misaka e suas amigas e habilidades. Aliás, definitivamente é um mau
sinal para a primeira temporada não precisar assisti-la antes, demonstrando um
tremendo desperdício de enredo. Mas divago, esta não demora a mover as peças, e
já somos apresentados aos esforços de cientistas em clonarem a Railgun como
parte do Projeto Sister para desenvolverem o primeiro Level 6. E no processo de
Misaka tentar impedi-los, ainda somos apresentados às outras Level 5 que sequer
deram sinal na anterior e que proporcionam conflitos extremamente empolgantes.
Aliás,
os clones de Misaka são abordados de forma extremamente séria pelo anime,
proporcionando até divagações sobre essa questão no mundo real. Clones seriam
tratados como uma sub raça? Tratados como algo que pode simplesmente ser
fabricado como um produto e, portanto, sem seu valor individual? As próprias
espécimes são ensinadas sobre sua inferioridade e quanto custou para que fossem
fabricadas (algo que repetem constantemente) e quão fácil seria repô-las. Porém,
devido ao roteiro inteligente, passamos a ver a interação delas e seus
sentimentos, mesmo que através de suas falas mecânicas. Seja quando acolhem um
gatinho, brincam com a Misaka original, agonizam de dor, questionam a própria
morte. É impossível não se mobilizar nas cenas de sofrimento e sangue
envolvendo as clones, provando que os realizadores atingiram seu objetivo ao
nos envolver.
Com
um roteiro extremamente inteligente, a trama avança de acordo com o desenrolar
dos fatos, agregando elementos com naturalidade e eficácia. Assim, primeiro
descobrimos sobre os clones, em seguida sobre o terrível Accelerator, e então
os esforços de Misaka para impedir o experimento, que fará com que os
cientistas contratem algumas agentes para impedi-la, e assim por diante,
sucessivamente. Uma coisa leva a outra, gerando expectativa natural e desculpas
plausíveis para as lutas. Aliás, as batalhas são incríveis e sentimos a
exaustão dos personagens após tantos episódios. Créditos para a direção que
soube prolongá-las sem perder a qualidade, além de nos situar no espaço com
perfeição. A ambientação é tão clara que duas personagens conseguem manter uma
briga acirrada mesmo estando extremamente distantes uma da outra. E as diversas
utilidades para um único tipo de habilidade são muito criativas, desde usar o
magnetismo em pó de ferro ou revertendo o fluxo de sangue (que cena!).
Beneficiado
por uma animação de primeira e cores exuberantes, o anime conta com uma
fotografia inspirada, sabendo aproveitar a trama constantemente na noite, ao
pôr do sol, em becos escuros ou instalações de laboratórios. A trilha sonora
doce deu lugar a sons graves e perturbadores, salientando o terror dos
acontecimentos. Os efeitos estão
perfeitos, e a batalha final contra o vilão Accelerator é de tirar o fôlego
devido à dimensão que alcança.
Os
personagens têm a dosagem certa de humor e preocupação em seus semblantes.
Tanto o boa praça e corajoso Kamijou Touma, passando pelas amigas de Misaka
preocupadas e sempre dispostas a ajudar. A personagem título, aliás, embarca em
uma sombria jornada, em que é difícil torcer totalmente por ela. Isso
pode ser constado no episódio-chave em que cientistas acuados fogem dela entrando de forma ameaçadora por um buraco na parede. Não é um momento de
glória do Bem contra o Mal, mas de ambiguidade nas ações de Misaka, que não
sabe ao certo o que fazer (e nem nós, como espectador). Aliás, Railgun constantemente
muda suas estratégias de como impedir o vilão de chegar ao Level 6: ora
enfrentando-o, ora destruindo instalações ou dirigíveis, ora pensando em se
sacrificar. Em suma, é fácil se identificar com sua confusão de pensamentos, é
algo genuinamente humano.
Entretanto,
quem se destaca mesmo, claro, é o Accelerator. Contando com um trabalho de voz excepcional
por Nobuhiko Okamoto, ele é um vilão digno de ser temido (as garotas de Level 5
e 4 do início também eram todas ameaçadoras sem exceção, uma proeza digna). Com
seu jeitão de tédio desinteressado que varia entre o mais puro psicopata, sua
risada denota excitamento absoluto com as adversidades. O olhar vazio e
aborrecido para todos que considera inferior, bem como seu andar devagar,
complementa sua violência arrebatadora e selvagem. Aliás, o trabalho de
animação e dublagem em sua disputada batalha final me lembrou imensamente o
descontrole de Kira no último episódio de Death Note. Em suma, Railgun S
consegue inúmeros desafios que jamais soam fáceis para a protagonista, e quando
encontra uma maneira de combater, soa plausível e inteligente.
Infelizmente,
chegamos aos sete (!!!) últimos episódios que parecem saídos direto da primeira
temporada. Voltando aos dias ensolarados e ao clima Shoujo com força, eu sinceramente
não tenho motivação nenhuma para comentá-los. Variando entre meninas comendo, cozinhando,
comendo, brincando no parque, comendo, levantando saias uma da outra, comendo...
até a vilã da primeira é resgatada. Prolongando o final muito mais do que
deveria, é uma decepção arrasadora para quem julgava estar vendo um dos
melhores animes dos últimos anos. E doeu muito (e ainda dói) o fabuloso potencial
desperdiçado de Toaru Kagaku no Railgun S. Que horror. Isso não se faz.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
Twitter: @PedroSEkman
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