Saudações do
Crítico Nippon!
2016 foi um puta
ano foda pros animes, caramba. Escrevi sobre alguns deles (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui) (ah, Gantz:O só consegui assistir esse ano e é fenomenal) e citei
outros aqui (até os mais ou menos dividiram opiniões, como esse e esse). E 91 Days faz jus aos colegas. E como não poderia, contando
com a mesma equipe de uma das séries mais ambiciosas que conheço, Durarara?
Lembrando a mesma ambição temática que movimenta os grupos dos Dollars e Lenços
Amarelos, 91 Days homenageia inúmeras obras da Máfia em cada detalhe. Temos
ascensão e queda de Dons (com muitos beijos na mão, claro), contrabando, execuções dentro de carros, personagens que mudam de lado constantemente (sempre de maneira coerente e
plausível), festas de casamento, e, bem, preciso dizer o que acontece quando
todos estão reunidos em uma ópera?
(hum, spoilers)
A história começa
com o pequeno Angelo testemunhando o assassinato de sua família por uma das
Famílias (letra maiúscula) da Máfia. Ambientado nos anos 1920, quando a Lei
Seca estava em vigor proibindo a comercialização de bebidas alcoólicas, Angelo
muda o seu nome para Avilio Bruno e, ao lado do amigo/irmão Corteo, passam os 7
anos seguintes aprimorando bebidas caseiras e contrabandeando para os
mafiosos. Com o objetivo, claro, de se
aproximar e conseguir vingança contra aqueles que assassinaram seus parentes.
A premissa não tem
nada de original (a criança escondida vendo os pais mortos; a busca por
vingança), mas mesmo já tendo visto isso tantas vezes, a maneira com que é conduzido
foi impecável. Calma, paciente, colocando as peças no jogo de maneira
cuidadosa. E ainda que tenha um número relativamente grande de personagens para
lidar, com membros das Famílias Vanetti, Orco e Galassia, em momento algum me
vi perdido. Uma vez estabelecido todas as peças, é só com elas que 91 Days
trabalha, sem adicionar personagens tardios na trama.
Ambientado
na cidade Lawless (nhé, eu sei), o anime cria uma ambientação de época
perfeita, mantendo os personagens em cômodos fechados, à noite, repletos de
fumaças de cigarro, sombras e conspiração. Lembrando imensamente a atmosfera do
fabuloso Joker Game, embora com a vantagem de não ser episódico como aquele,
mantendo uma história com início, meio e fim. Aliás, 91 Days ainda extrai uma energia
excepcional em uma trama que tinha tudo para ser monótona.
Prestando
uma atenção fascinante aos detalhes, percebam como em um tiroteio frenético,
Avilio destrava uma janela e então se atira por ela, sem quebrá-la como se fosse
de confete (como acontece em 99% de qualquer obra). Ou como ele borrifa bebida
em suas mangas para cheirar como se estivesse bêbado e enganar seus inimigos.
Ou o cuidado de enrolar o cano da arma em um pano na hora de uma execução (mais
uma referência às obras do gênero).
Beneficiado
por um roteiro corajoso do início ao fim, que não vê problemas em matar
personagens carismáticos logo de cara (Vanno Clemente), ou mesmo execuções
extremamente cruéis de personagens mais puros (Corteo), tornando a narrativa
sempre tensa, onde tudo pode acontecer. O protagonista Avilio Bruno, aliás, tem
seu desenvolvimento feito de forma impecável. Enigmático, frio e corajoso,
testemunhamos sua ascensão na família Vanetti indo de um mero fornecedor de
bebidas à braço direito do futuro Don Nero. Sem soar nem um pouco forçado,
Avilio conquista a confiança da Máfia (e do público) através de suas
manipulações e ações cada vez mais arriscadas. Seu jogo de mentiras é
formidável, transitando de uma Família para outra com segurança.
Percebam,
por exemplo, a maneira sutil com que coloca o amigo Corteo no noivado de
Ronaldo para fechar o negócio que precisavam (que culminaria na Lawless Heaven).
Ou como serviu de isca na troca de reféns com Fango, arriscando a própria vida
apenas para fortalecer um pouco mais a relação com os Vanettis. E o que dizer
daquela fabulosa negociação com Fango para curar Tigre e solicitar refugio na
Ilha, deixando pontas soltas pendentes para que Nero complementasse o seu
plano? Culminando na sugestão que sussurra para Fio ao subir no trem, para que
diga que Frate quem assassinou Ronaldo, e que Nero meramente se vingou para
provar sua lealdade aos Galassias. Percebam a quantidade de peças que ele usa
em seus discursos, justificando basicamente todas as baixas da história de maneira
redonda e mais do que plausível.
Simultaneamente
ao protagonista, conhecemos diversos personagens que soam muito mais do que
estereótipos de “vilões” e ganham objetivos claros e ações que fazem sentido
dentro daquele universo. Desde o casamento de Ronaldo e Fio para gerar um
herdeiro que seja meio Galassia e meio Vanetti, restaurando o equilíbrio entre
as Famílias; passando pelo quase estereótipo Fango, da Família Orco, uma
espécie de Mello (Death Note) com cavanhaque, o típico personagem que morreria
cedo, mas surpreendentemente dura até a reta final; à nobreza (ou “nobreza”) de
Vanno Clemente; e Frate, caçula dos Vanetti, uma espécie de Fredo Corleone (“Eu não quero ser amado, quero ser
reconhecido!”) que acaba comprando briga com os próprios irmãos. E, claro,
Nero Vanetti, o último que resta da vingança de Avilio, e que passa a maior
parte do tempo com o protagonista, ganhando o desenvolvimento tão longo quanto.
Pecando apenas na representação de Don Orco, que parece executar chefs apenas
por não gostar de suas lasanhas (forçado pra caralho).
Embalado
por uma trilha sonora absolutamente formidável, 91 Days conta com momentos memoráveis, como a ascensão de Don Nero, as decisões rápidas e
dificílimas de Avilio e a matança final na ópera, exigindo uma confiança no
espectador para lembrar quem está do lado de quem digna de aplausos. Com alguns
pecadilhos como o último capítulo aparentemente perdido e o único com o ritmo
comprometido, bem como alguns flashbacks dentro de flashbacks que soam
amadores. Porém, não compromete o todo, que ficará como um dos melhores de 2016
e obrigatório para quem curte um roteiro de primeira.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu Crítico Nippon)
Twitter: @PedroSEkman
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