Pessoas podem mudar, é claro. Um arrogante egocêntrico pode encontrar a humildade; criminosos podem encontrar arrependimento, ateus podem encontrar-se na igreja e vice-versa. Mas há um tempo, um limite. Obliterar um modus operandi não vem do vazio. Há um trauma, um gatilho que parte o espírito refratário.
“Pessoas não mudam tão facilmente”, como dito pela própria Akane. A autora parece ter ciência disto, mas, em exigências editoriais ou crenças pessoais, resolveu subverter toda sua história para um final inacreditável.
Kuzu nasceu como uma trama suja e emblemática sobre a submissão aos desejos, principalmente os carnais. A libertinagem espalhava a podridão interna, como se esta fosse conata. Era algo cínico, pessimista e indagador. Intrepidez nem terreno iluminado.
Nas últimas semanas, a obra parecia convergir para um caminho dissonante ao apresentado até ali. Era uma sugestão perigosa, pois desvirtuava a essência e, mais do que isso, toda a abordagem até então. Mas era, ainda, sugestivo.
Não mais. A uma semana de seu fim, pouco espaço resta de inventidade para a conclusão do Desejo da Escória. Os caminhos parecem definidos; e com eles, a mensagem, pois sempre há uma.
A figura da professora foi bem desenvolvida, não há dúvidas. Frágil e desconexa, achou na volúpia o núcleo para preencher sua redoma - sempre de vidro. A perfidez comportamental, mesmo quando sabida pelas vítimas, era tolerada pela estética privilegiada.
Quis então a autora que seu caráter fosse, agora, demolido para a incredulidade de quem vê uma zebra pilotar uma viatura aérea em Paris. Nem a mais preguiçosa, previsível e obsoleta previsão arriscaria que a mulher tivesse seu destino traçado por um pedido de casamento equivocado e infundado. A relação engatinha e já atinge o estágio escolástico final. Chamar de correria seria o epítomo do eufemismo.
Vejam, então, que o problema não está na conclusão existencial. Está no desenvolvimento irremediavelmente precipitado, o que torna impraticável a assimilação. É inverossímil, pra dizer o mínimo. Quebra a imersão diegética e passa uma rasteira monumental em todo o projeto, que ia muito bem até umas 3 semanas atrás.
Se acima utilizei a palavra intrepidez para descrever a animação, hoje ela soa ridícula. Me sinto como os lunáticos cinéfilos que atrelavam a alcunha de “Novo Spielberg” ao novato Shyamalan. É um delírio longínquo e vergonhoso. Mas, no momento da afirmação, ela parecia adequada, tanto a ponto de nos fazer atingir tal extremo.
Fomos - ou eu fui - enganado. Tudo não passava de um moralismo edificante e barato.
Carlos escreve sobre idols em seu blog Delirios da Madrugada.
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