Saudações
do Crítico Nippon!
Existem
poucos animes que conseguem emocionar mais de uma vez no decorrer de sua
exibição. Em um anime ótimo, haverão dois ou três momentos emocionantes, se
tivermos muita sorte. Já Run With the Wind é daqueles que tem nove, dez, onze
ou mais momentos de querer encher os olhos de lágrimas de alegria pelos
personagens e suas pequenas conquistas. Sequer percebemos o quanto estamos
sendo envolvidos com aquele time de corredores amador, e quando os momentos
chegam, e chegam inúmeras vezes, somos pegos completamente desprevenidos. E aí
percebemos que estamos diante de algo realmente especial.
O
anime começa quando Haiji, em sua bicicleta, aborda Kurahara Kakeru logo após
este roubar um mercado e fugir correndo. O ciclista imediatamente convida o
ladrão para morar no dormitório de sua universidade. Lá, se encontram outros 8
universitários, dos mais diversos cursos de humanas, que logo descobrem o plano
mestre de seu anfitrião: formar um clube de atletismo que irá representar a
universidade Kansei na competição Hakone Ekiden. Não, nenhum dos 9 garotos
estava sabendo disso, exceto Haiji. E como o dormitório costumava ser usado
pelo clube de atletismo (ninguém sabia disso também), se quiserem continuar
morando ali, terão que correr.
É
uma premissa absurdamente hilária conforme conhecemos os moradores, vulgo, futuros
atletas. Já vimos o ladrão (que ao menos corre), porém há também figuras como
Nico-chan-senpai, cujo carinhoso apelido se dá pelo vício em nicotina; temos o
magrelo Príncipe, cujo quarto parece ter seu espaço 70% ocupado por pilhas de
mangás; há o sério veterano Rei que só está preocupado em conseguir um bom
emprego; e por aí vai. Alguns acima do peso, outros secos de tanta magreza, vários
deles sem qualquer condicionamento físico. E esses serão os nossos heróis.
Inteligente
ao manter ambíguas as ações de Haiji ao obrigar os colegas a participar
daquilo, por mais que estejamos achando a situação hilária, não deixa de ser
uma afronta aos inquilinos. Aliás, a conversão do time em aceitar aquilo é
feita com maestria e calma. Inclusive, a conversão de um reflete na do outro,
cativados pelo entusiasmo que aos poucos aflora no grupo.
“Enquanto era só o Haiji que estava
empolgado com isso, podíamos simplesmente ignorá-lo...”,
alguém não-convertido resmunga em um momento. E apesar de estarem mais unidos
com o passar do tempo, as reclamações ocasionais seguem ocorrendo. Até menções
sobre fugir para escapar daqueles treinos, ou seja, não soa uma aceitação
incondicional de uma hora pra outra. Afinal, muitos deles não são atletas
(alguns já treinavam no colégio). Assim, é sempre divertido e tocante a relação
inicial de amor e ódio que cultivam pelo atletismo. Há uma cumplicidade entre o
grupo de seguir adiante, agora que todos embarcaram, que é mais forte que as
dores no corpo, que o cansaço e que o compromisso diário exaustivo do
treinamento.
A
direção é estupenda do início ao fim, fornecendo uma noção do passar do tempo
muito bem feita, preenchendo os episódios com os pequenas dramas de cada um
para aquela empreitada. Por exemplo, Nico-chan, insatisfeito com seu corpo mais
pesado que os mais jovens, fala “O que
quer que eu faça, me livre da carne e dos ossos?”. E acaba se sentindo na
obrigação de parar de fumar e começar uma dieta. Rei fica cada vez mais
frustrado por não conseguir um emprego e ainda ter que investir o seu tempo
livre naqueles treinamentos. Há também a namorada de Shindo, que aparece de
costas e com o rosto fora de quadro, refletindo o distanciamento que os treinos
causaram entre eles. E o Príncipe cuja vida inteira consiste na atividade mais
imóvel possível: ler mangás. Aliás, os momentos dele correndo mesclam
perfeitamente a comédia e o sofrimento, com seu jeitão completamente torto e
uma respiração que machuca os ouvidos do espectador.
O
time sequer tem tênis adequado para corredores. O dormitório conta com apenas
um banheiro. Só um deles sabe cozinhar direito para alimentar tantos atletas. A mesa do local que não possui lugares para todos comerem. E
por terem apenas 10 membros, o mínimo aceitável para o trajeto Hakone Ekiden, sem nenhum reserva a mais, qualquer acidente
ou doença que impossibilite um corredor, compromete o time inteiro. Em suma, o
anime parece não esquecer nada, extraindo o máximo de drama que consegue dos
pequenos detalhes e individualidades de cada um.
Produzido
pelo Production I.G com a maestria costumeira (vide Ballroom & Youkoso, Psycho Pass, Joker Game e tantos outros), Run With the Wind é de encher os
olhos do início ao fim. Desde a riqueza do dormitório dos garotos, dos cenários
urbanos com carros, metrôs e multidões imensas de corredores e torcedores. Além
de detalhes na animação, como os personagens estarem sempre se alongando, nem
que seja só girando o pé na calçada. Deste modo, constantemente vemos o time
Kansei enquadrado todos juntos, salientando sua união e fugindo das aborrecidas
‘cabeças flutuantes’ preenchendo a tela inteira. Utilizando também todos os
cenários possíveis, desde chuvas, neve, até verões escaldantes, ou bosques
agradáveis.
O
anime ainda escapa brilhantemente da armadilha de encher de corridas até torna-las
enfadonhas, que foi o caso de alguns sobre patinação e dança. Às vezes as
competições ocorrem como imagens estáticas, como apresentação de power point,
em questão de rápidos segundos, só pra dizer que ocorreram sem que o episódio
gire em torno delas. O que importa é o desenvolvimento dos personagens.
Fluído
em uma estrutura surpreendentemente não convencional nem episódica. Vários
momentos que em outros animes seriam guardados para o final do episódio, aqui se
encontram na primeira metade. Como o grupo lançando fogos de artifício no
bosque à noite, ou corridas repletas de emoções, ou personagens encontrando
redenção. Isso prova que os capítulos não querem encher linguiça só pra chegar
em um final bonitinho amarradinho, mas que tem material de sobra para despertar
várias e várias vezes aquelas emoções. Por exemplo, o nervoso Kakeru não tem
apenas um único momento de “redenção” de sua personalidade agressiva, mas
vários pequenos momentos de crescimento ao longo de vários capítulos. Aliás,
ele e o Príncipe praticamente desenvolvem um ao outro, indo por caminhos que
jamais poderíamos imaginar. E isso que torna o anime tão lindo. Não são
explosões catárticas artificiais, mas pessoas evoluindo gradativamente, com
altos e baixos.
Outro
momento da direção inteligente pode ser visto quando ouvimos a pregação tóxica
que Kakeru sofria do treinador no colégio, enquanto as imagens do presente são
de um ambiente tranquilo e acolhedor com seus amigos, sem qualquer tipo de
pressão. Pelo contrário, ele que se acostumou a colocar pressão nos colegas
devido aos ensinamentos abusivos que sofreu (já dizia o Mr. Miyagi “Não existe
mal aluno, só mal professor”).
Aliás,
Kakeru também cumpre a ingrata (porém necessária) tarefa de salientar para os
colegas (e para o espectador) o nível de dificuldade da competição em que estão
se metendo, o que garante uma seriedade importante à narrativa. Outro detalhe
interessante, é na primeira vez que Kakeru demonstra um mínimo de empatia e
pede desculpas ao seu grupo, ele está vestindo uma camiseta branca, oposta de
seu costumeiro traje escuro. E que dali em diante será cada vez mais usada,
conforme sua personalidade também evoluir.
E,
claro, a garota Hana, interesse romântico de alguns do time, surge várias vezes
vestida de vermelho, representando o óbvio.
Com
um clímax que entrega tudo que prometia e mais um pouco, a corrida final tem obstáculos
dos mais diversos e todos ganham o seu merecido momento. Há amores revelados,
doenças e lesões dificultando, a pressão da torcida dos familiares, rivalidades
aflorando, condições meteorológicas adversas, ou simplesmente a dificuldade da
maratona em si que já deveria ser o suficiente.
Assim,
Run With the Wind se despede no tempo ideal, extraindo um equilíbrio
maravilhoso entre comédia e drama, com um prólogo de aquecer corações. Esse é
daqueles animes que será lembrado por beirar a perfeição, como Shiki ou Psycho
Pass. E por despertar uma verdadeira paixão por correr que eu só havia sentido
antes com o basquete, graças ao clássico absoluto Slam Dunk. E, convenhamos,
qualquer coisa que lembre minimamente o time do Shohoku, é obrigatório.
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