sábado, 5 de outubro de 2019

Demon Slayer (2019)


Saudações do Crítico Nippon!

Creio que irei sempre dar uma chance ao shonen da vez, mas pelo visto eu estou ficando velho. Ou não, vai ver as obras não estão fazendo muita força. Demon Slayer tem um início absolutamente promissor e dinâmico, ainda que siga uma fórmula básica, acho que é impossível de não ser fisgado pela sua agilidade. Inclusive, não lembro de jamais ter visto um treinamento de dois anos em literalmente um episódio, como ocorre com seu protagonista. Infelizmente, essa agradável surpresa e rapidez não se mantém sequer até a metade do anime, que desce a ladeira sem jamais se recuperar.



Kamado Tanjirou tem sua família inteira assassinada por um demônio. Bem, não inteira, pois sua irmã, Nezuko, sobreviveu com uma sequela particular: ela agora também é um demônio. Porém, ela parece ter um grau avançado de consciência e, com a ajuda do irmão, espera voltar a ser humana um dia. Enquanto se esforça para descobrir como reverter a situação da irmã, Tanjirou passa por um rigoroso treinamento para se tornar um Exterminador de Demônios.


O clássico órfão que sai em uma jornada inesperada. E ao menos dessa vez o protagonista não é de todo irritante (vide uns sobre titãs e academia de heróis). Tanjirou, apesar de extremamente inseguro no início e implorando várias vezes para pouparem sua irmã, compensa por demonstrar coragem e inteligência em situações adversas. Aliás, o esforço em carregar Nezuko nas costas é admirável, por mais inconveniente que seja, nos coloca imediatamente ao lado dele. Aliás, vê-lo construindo uma cesta de bambu e suas mãos calejadas, são detalhes que enriquecem ainda mais seus esforços. Até a sua cicatriz na testa é deformada e real, e não bonitinha redonda ou em forma de X. Inclusive outros personagens também tem marcas verossímeis, sempre parecendo queimaduras dolorosas, nunca aquele corte clichê cruzando o olho e descendo na bochecha.


Beneficiado por um animação deslumbrante, Demon Slayer possui o traço forte e marcante, com cores vivas. Aliás, a maior parte das cenas de ação são eficientes justamente por manter os adversários aparecendo de corpo inteiro, movendo-se simultaneamente e até mesmo com a câmera fazendo manobras rápidas que contribuem com a experiência. Deste modo, até os ataques principais do protagonista envolvendo a maré ganham um desenho “duro” e belo que parece ter saído diretamente de uma lenda em um pergaminho, e isto é obviamente proposital dada à natureza demoníaca da história.

Não somente em lutas o anime se sai bem, mas o design de produção e a fotografia são eficientes em criar imagens fortes e verdadeiramente assustadoras. Desde a casa flutuante erguida por fios quase invisíveis, à floresta com pétalas roxas, ou mesmo a concepção das pequenas gêmeas que parecem saídas de uma obra de terror.


O problema é que Demon Slayer parece determinado a sabotar seus próprios esforços de soar sério e com peso real na narrativa. Parece que há duas equipes por trás do projeto, uma de comediantes kawaiis frustrados e outra de apreciadores do mais puro gore. E eu não quero soar moralista de um lado nem do outro, é possível mesclar as duas coisas de maneira adequada, como já vimos em Madoka Mágica, Re:Zero, Railgun S, e por aí vai. Porém, Demon Slayer não é um desses.


O anime se dá conta que não investiu em personagens secundários e coloca abruptamente dois deles, sem esperar desenvolver nenhum. Primeiro, Zeitsu, que é absurdamente insuportável. Aliás, nosso primeiro encontro com ele é querendo casar à força com uma garota, então o anime deveria ter se dado conta que precisaria compensar isso. Não se deu. E o faz chorar e gritar em absolutamente todas as suas cenas. Eu acho que era pra ser engraçado, mas não tenho certeza. Pra fechar o trio, temos Inousuke, o Kacchan da história, que funciona tão bem quanto seu gêmeo funcionava em Boku no Hero, isso mesmo, não funciona. E o fato de usar uma máscara o tempo todo limita suas expressões e emoções e, consequentemente, nossa identificação. Não que ele tenha muitas emoções, só uma, na verdade, gritando e sendo horrível o tempo todo. Então estamos presos entre o chorão que grita e o nervoso que grita. Tanjirou, nosso herói, fica no meio disso como apaziguador, embora sem muito sucesso.


Claro que eles poderiam ser dois personagens irritantes dentro de um contexto maior e interessante. O que também não é o caso. Lembro perfeitamente que, ao final do treinamento de Tanjirou, pensei vagamente “Hm, e agora? Ele vai sair por aí matando um bicho de cada vez? Nah, isso não teria graça... Tem que ter pelo menos uma historinha maior de pano de fundo...”. E foi exatamente o que ocorreu, com vários digimons aparecendo em sequência, durando 4 episódios cada um, mais ou menos. Eu sequer lembro de todos eles, de tão vazios e com técnicas tão bobas (especialmente aquele das setas e dos tambores). Desperdiçando o clima de perigo de morte real que havia até a primeira missão como Exterminador, no momento em que percebemos que não está havendo nenhuma baixa significativa, ou que o herói sempre dá um jeito de se superar durante a luta, o clima de tensão desaparece pra nunca mais voltar. Jogando no lixo informações que geraram tensão por dois episódios, como quanto mais humanos o demônio comeu, mais forte ele é (isso nunca mais é usado pra medir a força do digimon, acho que só foi usado uma vez). Bem como Tanjirou ter que recolher o sangue de seus adversários pra curar sua irmã, ele faz isso uma vez também, eu acho. E os demônios há muito tempo pararam de comer humanos (claro, o autor esqueceu da regra de que eles ficam mais forte quanto mais eles comem, então pra que continuar comendo, certo?). Parecem só brincar ou matar aleatoriamente as pessoas, sem realmente precisarem fazer isso.


Como se não bastasse esquecer pelo caminho suas próprias regras, Demon Slayer não para de enfiar mais regras. Como os 12 Pilares (vulgo Cavaleiros de Ouro dos exterminadores de demônios), que obviamente ganham assistentes secundários (Kanao). E os 12 digimons mais fortes idem (Lua-alguma-coisa), que também tem assistentes intermediários. Além dos exterminadores e os digimons comuns, que são os mais fracos. Apesar de terem sofrido tanto para passarem pelo teste de formação. A “mitologia” parece aumentar de maneira forçada, plantando sementes que indicam que o anime irá ganhar mais umas 4 temporadas pra abranger essa loucura toda de vilões e heróis e a Nezuko voltar ao normal.

Deste modo, os absurdos não param por aí. O vilão supremo mata um de seus próprios aliados que saiu correndo em uma velocidade alucinante, sem sequer se mexer ou fazer força. Porém, quando Tanjirou cruza por ele na cidade, ele parece não conseguir fazer nada, a não ser mandar minions atrás dele. E o interesse no herói não soa lá muito justificado quando temos tantos outros cavaleiros de ouro e até mesmo assistentes/aprendizes deles. O próprio conceito do vilão ser pai e marido é completamente jogado no lixo e, ao invés de vermos uma dinâmica complexa desta situação, o anime opta por mostrar uma longa sequência dele executando seus próprios aliados. Não é preciso muita criatividade pro vilão fazer isso. Agora um desenvolvimento que deixe ambíguo o personagem num antro familiar, ao mesmo tempo em que é um monstro cruel, ah daí exigiria uma maestria maior. Que o autor não tem, né.

Demon Slayer encerra mais desinteressante que nunca, bobo e sem peso algum, como foi com Boku no Hero. E esperem só até ver flashback de demônio querendo ser artista (é hilário). O trio principal começa a receber missões em grupo sem justificativa alguma, e jamais param pra conversar e trocar uma ideia como seres humanos normais. Eu escrevi “gritaria” (e derivados da palavra) inúmeras vezes nas minhas anotações, de tão caótico os momentos com o grupo principal junto. Definitivamente é um universo que não vale a pena retornar. Minhas dores de cabeça agradecem.

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