Speed
Racer é a melhor adaptação live action de mangá já feita. E digo isso com
toda convicção do mundo. Ultrapassando aqueles que já declarei ser fã (Death
Note e Rurouni Kenshin). Não apenas por, literalmente, adaptar fielmente o
conteúdo de sua obra original em detalhes que só os verdadeiros fãs irão
reparar (adaptação correta não é, necessariamente, a garantia de que funcionará
na mídia cinematográfica); mas por conseguir reunir essa bagagem toda em um
filme coerente e fechado, como uma obra única e complexa para os leigos. Em
momento algum soando episódico como, obviamente, as aventuras do mangá e do
anime, o longa que é o retorno dos irmãos Wachowski após a trilogia Matrix, intercala e funde muito bem
diversos pontos das histórias protagonizadas pelo jovem corredor. Infelizmente,
lançado junto com Homem de Ferro em 2008 (no mesmo mês!), acabou ofuscado e não
sendo o sucesso que deveria.
Adaptando
a homônima obra de Tatsuo Yoshida dos anos 60, o filme mostra o jovem Speed
Racer (sim, esse é o nome dele) que, filho do engenheiro mecânico e projetista
Pops, quer seguir os passos do irmão Rex nas corridas. Este que, sendo um
sucesso nas competições, morreu em um acidente alguns anos atrás. Speed, então,
chama atenção das grandes corporações automobilísticas devido sua habilidade no
volante e recebe propostas para novas equipes, descobrindo que o resultado das
corridas vem sendo manipulado há tempos. É então que o enigmático Corredor X
lhe pede ajuda para solucionar essas farsas todas e colocá-los na justiça.
Com
o público alvo sendo claramente os mais jovens, temos diversas referências aos
desenhos clássicos (e na maior parte do tempo eu só conseguia pensar na Corrida
Maluca). Desde carros que soltam óleo na pista; até mesmo atiram colméias contra
os adversários; estereótipos dos mais diversos como oponentes malignos e
inescrupulosos; piranhas cartunescas devorando pedaços de carne para intimidar;
e claro, os devaneios do jovem Speed na escola em uma corrida imaginária ou, no
presente, os de Zequinha e Gorducho enquanto assistem animes na televisão.
Vivido com carisma e com o figurino mais do que perfeito (todos, aliás), lenço vermelho, gola pólo branca, camisa azul, Emile Hirsch encarna toda pureza de Speed com tranqüilidade e sem cair demais no água com açúcar (chegando a irritar-se nas corridas e até lutar fisicamente). E nesse sentido, todos desempenham muitíssimo bem suas funções, em especial, graças ao roteiro que abre muito espaço para o desenvolvimento da família Racer. John Goodman e Susan Sarandon, sempre impecáveis, fazem os pais do mocinho com doçura e firmeza. Christina Ricci faz uma Trixie correta e idêntica a uma personagem japonesa. E é um alívio por parte de Paulie Litt como Gorducho e o chimpanzé Zequinha, a criança e o animalzinho do elenco, que podem preocupar aqueles com maiores preconceitos, porém são ótimos e divertidos. Com Matthew Fox encarnando o Corredor X de forma calculada e fria na medida certa, e Roger Allam como o vilão Royalton parece repetir seu papel de V de Vingança (como esse cara participa de adaptações de quadrinhos, hein?), porém, funciona muitíssimo bem.
Com
uma paleta de cores estilizada e berrante, o céu em seu azul e a grama em seu
verde, chega a ser quase fluorescentes. Auxiliados o tempo todo com efeitos
digitais em seus cenários, acertando ao investir em um visual futurista
(diferente do original) para que os carros possam desempenhar as mesmas funções
mirabolantes dos quadrinhos. E espere só até ver as pistas de corrida, uma mais
absurda que a outra, e justamente por isso, divertidíssimas. Com uma direção de
arte competente também nos cenários de verdade, sempre coloridos e recheados de
objetos que dão vida ao ambiente. Usando do roxo intenso (nem por isso menos
berrante) para salientar a Família corporativa do vilão, diferenciando
totalmente daquela dos Racers.
Neste
sentido, Speed Racer conquista mesmo por mostrar um imenso coração àquela
história toda. Auxiliado por diálogos apaixonados do protagonista que compara
as corridas à uma “religião”, ou através de sua mãe em falas como “Vou às corridas pra te ver fazer Arte”.
Fazendo a corrida de abertura intercalada com flashbacks de momentos pesados e
sombrios da família Racer, a linguagem empregada pelos Wachowski é complexa e
bem amarrada, guiando a história e desenvolvendo os personagens com economia. E
é surpreendente no final desta primeira competição de abertura já estarmos tão
envolvidos e tensos com o significado dela para os envolvidos, com alguns
poucos minutos de filme.
Abusando
de enquadramentos que remetem ao mangá, incluindo até close nos olhos e muitas
cabeças em primeiro plano. Estas que servem até mesmo de transição de uma cena
para outra, deslocando-se para o canto da tela e abrindo alas para a cena
seguinte. Assim, é impossível não citar algumas das várias referências
brilhantes que o roteiro enxuga e emprega para si da obra original. Como o já
citado óleo na pista fazendo Speed descer montanha abaixo; as ultrapassagens
feitas pela encosta da montanha; uma estratégia usada no mangá por Lyly e Flash
Jr. de troca de identidade (no filme com os nomes de Taejo e Horuko); e – minha
favorita – o salto de Speed Racer pra fora do Mach 5 ficando na posição exata
que o personagem faz ao final da abertura clássica.
Com
alguns probleminhas de história em função de sua despretensão, temos momentos
solos de Gorducho e Zequinha que poderiam ser enxugados – e a discussão entre
Royalton e Speed intercalado pelas bagunças deles chega a irritar. Assim como
os flashforwards nesta mesma discussão de Royalton que fica difícil identificá-los
como tal, ou apenas como possibilidades imaginárias do que talvez aconteça.
Entretanto, isso são
pecadilhos insignificantes demais para uma obra visualmente tão marcante e
divertida. Com carros que travam verdadeiras batalhas na pista, sempre
empolgantes, embalados pela belíssima trilha de Michael Giacchino e seus vários
acordes remetendo ao tema original (incluindo uma adaptação completa dele nos
créditos finais em várias línguas, inclusive brasileira). Speed Racer não foi
sucesso de público nem de crítica, o que é uma pena lastimável, assim só posso
me considerar sortudo por conseguir enxergar a beleza do trabalho dos sempre
incríveis irmãos Wachowski.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
@PedroSEkman
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