sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Psycho Pass 2 - Desnecessauro

Saudações do Crítico Nippon!


Psycho Pass certamente foi o melhor anime de seu ano. Apresentando um universo incrivelmente sólido e rico, remetendo totalmente ao 1984 de George Orwell, era sombrio por natureza. E ainda que seu início tenha sido com a estrutura “vilão da semana”, seus personagens e a vontade de conhecer aquele mundo nos motivavam a assistir. E uma vez estabelecido Makishima Shogo como inimigo principal, a série disparou em grandeza. Assim, mesmo ganhando um final satisfatório e fechado, não faltaria material para uma possível sequência. Qual o alcance daquele Sistema Sibyl? É um regime do mundo inteiro ou só do Japão? E qual será o destino de Kogami e sua dinâmica com o antigo grupo? Akane conseguirá trabalhar normalmente depois de tudo que lhe foi revelado? Poderia o Sistema Sibyl ser destruído? E por ter menos episódios, poderia ser ainda melhor que o original, vide Darker Than Black que melhora incrivelmente na segunda temporada. Assim, é com grande pesar que percebi que nada disso seria respondido. Estava assistindo apenas uma cópia da 1ª, mais curta, mais desinteressante, trocando apenas por um vilão sem graça e piorando os personagens principais.



Apesar da trama ser uma continuação direta da 1ª temporada, você pode assisti-la sem sequer ter passado os olhos na anterior. E aí reside o primeiro problema grave que será ecoado ao longo de toda ela. As menções (e “aparições”) de Kogami e Makishima são quase uma ofensa, não se justificando em momento nenhum a não ser para evocar uma leve nostalgia sem embasamento. A premissa começa quando o jovem e misterioso vilão que nunca conhecemos começa a roubar dominators e abduzir inspetoras, com o objetivo de fazer alguma coisa, com a ajuda de alguns estranhos (que todo episódio morrem ou são presos. Desenvolvimento zero). Enquanto isso, Akane e demais Justiceiros precisam impedir os fulanos antes que eles realizem alguma coisa. Essa coisa começa com WC, provavelmente. É contra o Sistema Sibyl. Eu acho. Tem a ver com sujar cores também. A trama é mais ou menos essa, mas não se preocupem, até o final da temporada ela consegue se tornar ainda mais incompreensível.



Assim, Psycho Pass 2 parece ter entrado na onda do horroroso Shingeki no Kyojin e achado que matar os personagens de forma súbita, pelo choque gratuito, faria ser uma temporada mais sombria. Isso poderia até funcionar, caso tivéssemos laços mais profundos com aqueles que sobraram de luto – ou com os que morreram, claro - mas não é o caso de nem um nem outro. Não é difícil notar que na 1ª temporada crescíamos e aprendíamos as regras do anime através dos olhos de Akane. E que facilmente admirávamos Kogami e queríamos descobrir mais sobre seu passado e futuro. E que Ginoza era multifacetado, ora explosivo e arrogante, ora sensível com o pai e companheiros, ora se tratando no psicólogo temendo que seu coeficiente aumentasse. O próprio pai dele, Masaoka, com um enorme coração e surpreendentemente bom de briga. Um simpático ruivo Kagari, que genuinamente torcíamos para não morrer. Mesmo a Yayoi que ganhou um flashback só pra ela. E claro, Makishima Shogo em toda sua complexidade. Nesse PP2, o que temos de parecido com o que eu acabei de citar? Uma Akane no piloto automático; um Ginoza completamente desperdiçado; Aoyanagi, provavelmente a melhor personagem feminina que apareceu nas duas temporadas, jogada no lixo; uma Mika que jamais teria ganhado tanto espaço se isso fosse um mangá e houvesse enquetes semanais da opinião do público; e toda uma penca de personagens novos que sinceramente mal sei o nome ou qualquer coisa sobre. Tanto eles quanto os veteranos parecem ter se transformados em robôs sem alma, proferindo frases como máquinas e agindo como tal. 









Onde estão as novidades desse universo? O que ampliou na nossa percepção daquele mundo? O que não teríamos conhecimento sem a existência dessa temporada? A resposta é um solene... Nada. E me perdoem as comparações com a 1ª, mas é inevitável: na anterior, descobríamos recursos capazes de ler a mente da Akane para revelar a identidade de Makishima até então desconhecida; os próprios hologramas eram usados de forma infinitamente mais inteligente, desencadeando verdadeiras investigações e/ou perseguições; inúmeras situações em que os personagens cresciam e revelavam facetas até então ocultas. Essa segunda é feita apenas de expectativas jamais cumpridas: expectativa com o retorno de Kogami e tudo que isso pode desencadear; expectativas que Akane tomará decisões ousadas e surpreendentes; expectativa para com a Kasei que sabemos ter ligação direta com o Sistema Sibyl; expectativa que o vilão aparecerá mais do que cinco segundos ao final de cada episódio. Mas a espera de todos esses itens é completamente em vão.


Ao invés disso, presenciamos situações extremamente forçadas que nos afastam como espectador. Se antes tínhamos a figura pública do Senguji, meio androide, com uma espingarda acompanhado de dois cães robôs (e tendo aparecido quatro episódios antes de partir pra ação), agora temos um senhor com um cassetete na mão fazendo 10 pessoas e uma inspetora treinada de reféns. Supostamente deveríamos achar isso plausível. Se antes tínhamos alguns capacetes que substituíam o coeficiente criminal pelo de alguma pessoa próxima (e que simultaneamente era seu ponto fraco), agora temos que aceitar que existiam dezenas de robôs e drones que não precisam analisar a matriz para atirar (Makishima se revirando no túmulo), e que todos eles foram reprogramados e ainda ligados ao angry birds dos celulares da população e... Uou, haja aceitação pra considerar isso coerente. E o roubo das dominators e cirurgias de olhos se revela apenas um recurso exagerado para que eles possuam alguma arma de fogo. Nada de muito mais complexo que isso, o que é uma decepção (uma das muitas).


E claro, chegamos então ao vilão Kamui, e é surreal a maneira que o vemos ao longo dos episódios: ou ele aparece por cinco segundos ao final de alguns, ou só vemos os outros falando dele. Jamais o vemos agir, planejar, filosofar em voz alta, ou lutando, nada, nada. E somando com a maior besteira que eu já ouvi em muito tempo sobre ele ser formado por 184 corpos e ter 7 cérebros, bem, ele é um personagem extremamente distante, desinteressante e unidimensional. Aliás, certamente colocaram essa besteira de corpos e cérebros justamente por saberem que ele era fraco demais, portanto, se o fizessem grotesco suficiente, talvez, quem sabe, ele parecesse um vilão temível (“grotesco” na teoria, né, porque ele não possui nenhuma cicatriz nem nada, é o experimento científico mais limpo e sem sequelas de todos os tempos. Nem o Monstro do Frankenstein tinha tantas partes assim, e era infinitamente mais deformado). É possível visualizar os roteiristas pensando: “Olhe, estão vendo, pode ser um garoto normal, meio introvertido, até bonitinho, bastante sem graça, mas espera, ele é formado por zilhões de corpos! Verdade, verdade, e muitos cérebros! É, é, buuu, e vocês achando que ele não teria graça... Mas magicamente agora ele tem! É só dizermos que ele é meio polvo, meio leão, meio dinossauro, meio dragão, mesmo que não aparente nadinha, e pronto! Olha como somos inteligentes, é fácil criar vilões, né.”.

E dizer que é ficção e aceitável é de uma imaturidade tremenda. A criação precisa se justificar no conceito da narrativa, o que não acontece em momento algum. De que exatamente serviu sabermos que ele é feito de tantos corpos e cérebros? O torna mais forte? O torna mais inteligente? Mas ele não usou força em momento algum. Muito menos o cérebro (nenhum dos 7, diga-se de passagem). Se ele ainda fosse um ser sinistro ligado a uma série de aparelhos mantendo-o vivo, com uma aparência abominável devido às cirurgias, diminuiria um pouco o absurdo. Mas não é o que acontece. Portanto, definitivamente foi só pra encher linguiça e complementar um personagem que acabou continuando o mais incompleto da temporada. 

Não consegui encontrar outras aparições dele, só lembrava dessa do 1º episódio.


Se antes tínhamos dezenas de obras clássicas literárias nos discursos de Makishima, espelhando não só aquela realidade, mas a personalidade do inimigo, agora temos um vazio “WC”. Pelo visto os roteiristas que realmente liam e estudavam na primeira temporada não existem mais, substituídos pelos do fraquíssimo Zankyou no Terror. É desastroso ver essa sigla martelada em nossa cabeça todo santo episódio, claramente subestimando seus espectadores que vieram de uma anterior muito mais sutil e corajosa. Tentaram fazer as investigações nessa temporada desnecessariamente complexas, o que só nos afasta da trama e mostra a insegurança de seus criadores. Na primeira tínhamos momentos inteligentes e de peso, porém fáceis e simples de acompanhar, bem como finais de episódios sempre nos fazendo querer mais. Como, por exemplo, Makishima se interessando por Kogami pela primeira vez e pedindo que o investigassem; Akane paralisando Kogami para salvá-lo de Kasei; Makishima fugindo de seu transporte aéreo baseado numa frase que Kasei deixou escapar; Kogami fugindo e se despedindo por carta de Akane; e claro, as duas lutas entre Shinya e Shogo. Enfim, os exemplos são abundantes e funcionavam extremamente bem em sua simplicidade, e nem por isso menos inteligentes. E repito a pergunta, o que temos de semelhante nesse PP2?


             






Dessa vez precisamos de episódios inteiros com os personagens no computador estudando células de Kamui; estudando pessoas do passado ligadas a Kamui; estudando o passado de Togane sabe-se lá por quê; estudando isso, estudando aquilo, estudando, martelando que supostamente algo de inteligente está acontecendo ali, o que não é verdade. Céus, até no clímax da história, em pleno penúltimo episódio, ficamos presos em Akane ao telefone num longo monólogo sobre suas investigações burocráticas e desinteressantes. E enquanto os personagens nos enganavam que estudavam algo importante, somos enganados também com as ações dos outros núcleos. Como, por exemplo, no episódio 7 e 8 quando Akane sai correndo para o hospital ver sua avó que provavelmente foi atacada por drones, mas não aconteceu nada; e no seguinte, em que ela novamente corre para seu apartamento supostamente arrombado e chegando lá, é só o mecânico. É como aqueles filmes de terror B com gatinhos pretos pulando do armário dando sustos falsos. Ou seja, definitivamente os roteiristas não sabiam como preencher o tempo em tela daqueles personagens. 


Há tantos absurdos em PP2 que é difícil comentar tudo. Togane, apesar de ser interessante no início (na verdade, na minha teoria, os personagens zumbis ao redor o tornavam melhor), cai para o lugar comum de vilões bobinhos e mwa-ha-ha de animes muito menores. E o que comentar sobre ele ser “filho” da androide Kasei? Ou do “Sistema Sibyl”? Novamente, assim como o Monstro do Frankenstein Kamui, inventaram isso para aumentar algo essencialmente danificado. E mais! E Mika que foi, hum, ‘abduzida’ pelos inimigos? É realmente difícil compreender certos acontecimentos inventados na hora dessa temporada. E enquanto Makishima tinha uma motivação clara do início ao fim, Kirito não parece ter nada além do sangue gratuito para compensar o vácuo emocional que deixa no lugar. A única vilania realmente clara da história, jogada ao final da temporada apenas, é de sujar a ‘cor’ da Akane. Por quê? Qual o propósito disso? E uma vez sujo o coeficiente dela, e daí? Ela vai pro nível Ginoza e segue normalmente. Kasei, aliás, costumava ser tão boa na 1ª temporada em usar as dominators mudando o julgamento delas ao seu bel prazer, seja em Kogami ou no ruivinho Kagari. É meio infantil que o grande plano vilanesco desta temporada seja deixar uma jovem moça alterada.




Assim, acredito que os melhores momentos de PP2 tenham sido nos primeiros episódios, tanto no razoável roteiro quanto na ótima animação. O primeiro por envolver alguns pequenos conflitos de visão entre os membros da polícia, bem como estratégias por parte da Akane para que a dominator mudasse o julgamento de “letal” para “paralisador”; e o segundo item porque a animação decai absurdamente dali em diante, ficando simplesmente horroroso de se ver. Assim, é um desperdício que com tantos itens que poderiam ser explorados no universo Sibyl e nos personagens fascinantes que ficaram para trás, preferiram contar a historinha de Kamui e Cia. Se antes o anime conseguia a proeza de nos deixar tristes ao nos despedirmos de uma sociedade tão claustrofóbica, agora a sensação é de alívio, transformando a temporada em um exercício de paciência. Farei de conta que essa jamais existiu, encarando como uma obra única a excelente temporada anterior. 


 (Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)

@PedroSEkman

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