A
Coréia do Sul é o lar dos meus filmes favoritos. E basta ver as ambiciosas
produções de nomes como Chang-wook Park, Joonho Bong, Kim Jee-Woon, Hong-jin
Na, Hong Sang-soo, para se apaixonar completamente. Dito isso, jamais havia
visto uma animação desse amado país cinematográfico. E pelo que vi neste The
King of Pigs, do estreante Sang ho Yeon, posso esperar trabalhos igualmente
espetaculares em 2D. E que imagem devastadora esse longa metragem faz, com
denúncias gritantes ao bullying cada vez maior no país, castigos corporais nas
escolas, e classes sociais pobres sem perspectivas de ascensão. É difícil ver
uma faceta tão podre de um país que produz obras que admiro tanto.
(sem spoilers)
(sem spoilers)
O
filme começa com a imagem de uma mulher morta na cozinha, e seu marido,
Kyung-min, tomando banho claramente perturbado pelo que fez. Em seguida, ele
liga para seu antigo colega de classe, Jong Suk, após 15 anos sem contato e
marcam um encontro. A história é feita em flashbacks, conforme o que está sendo
dito pela dupla, relembrando os tempos conturbados que passaram sofrendo
bullying.
Jong
Suk, por sua vez, é um homem de expressão sempre fechada. Sua primeira aparição
é levando bronca de seu chefe por não conseguir expressar emoções em seus
textos como escritor-fantasma. Em seguida, pouco antes da ligação de seu amigo,
ele vai para casa e espanca a esposa aos gritos, exibindo uma instabilidade
assustadora. E então percebemos que estas figuras violentas protagonizarão a
história, embora não estejam nem perto de ser o ponto mais cruel dela. E no
decorrer da trama, iremos entender de onde vem essa falta de afeto físico e
psicológico, que os torna tão vazios a ponto de Jong ser absolutamente incapaz
de sequer evocar sentimentos em seus escritos.
E o
filme é surpreendentemente cruel de forma ininterrupta. A frieza das crianças
parece não haver limite, como se todas as idades fossem corrompidas e
genuinamente malignas. Os professores são retratados apáticos e alheios à
guerra de medo que paira como um veneno entre todos. O único que reage aos
ataques de bullying é o garoto Chul, aquele que forma o trio principal junto
com Jong Suk e Kyung-min. E mesmo que ele dificilmente seja derrotado ou se
renda, constantemente seu psicológico é completamente devastado por outros
fatores externos. Ou seja, até os fisicamente fortes são massacrados nesta
história.
Em
suma, é um filme triste e pesado, que mesmo não tendo sequências fortemente
gráficas como alguns animes, é preciso bastante estômago para encará-lo. E é
surpreendente constar que não houve um único contato físico de afeto ao longo
da trama. Até as garotas parecem inexistentes naquele universo feio, mesmo que
colegial. Pra falar a verdade, contei cuidadosamente apenas três vezes em que
personagens se encostaram sem que fosse uma agressão. E assim mesmo, apenas em
situações de angustia e vazio, sem calor humano nenhum. Não posso revelar
muito, mas uma delas foi no necrotério, outra ao relatar uma lembrança ruim, e
outra em que o pai está se aproveitando emocionalmente do filho.
Desta
forma, as únicas sensações de alívio ao longo do filme, são justamente através
da violência, em todos os contra ataques de Chul. Abandonado pelo pai, com uma
mãe que faz programas para sobreviver,
Chul é claramente problemático. Além de doutrinar os amigos Jong Suk e
Kyung-min a serem “mais malignos que os valentões”, esfaqueando um ser mais
fraco – um gato - como simbolismo deste ensinamento. E mesmo diante disso,
torcemos e respiramos de alívio pela sua reação diante dos algozes, ainda que
já estejamos cientes do quão alterado ele é capaz de ser.
E
suas qualidades técnicas são igualmente louváveis, com uma animação
extremamente expressiva, em cores melancólicas que chegam a lembrar as de
Makoto Shinkai. Investindo em uma trilha sonora bela e orgânica à narrativa,
sem jamais cair no melodrama. E os dubladores se entregam a todos os
personagens, fazendo um trabalho excepcional e evocando a emoção que o traço
merece. E, principalmente, vejam só, o cuidado com o figurino dos personagens. O
riquinho e indefeso Kyung-min se veste com cores claras e quase femininas, espelhando
sua inocência. Já seu amigo, Jong Suk, mais sério e insatisfeito, já passou da
fase de pureza. Sua camiseta, apesar de branca, é tomada pelo azul marinho,
como se a amargura estivesse quase se fechando sobre ele. Futuramente, em suas
fases adultas, Kyung-min transcende para o azul marinho do amigo, esboçado em
seu terno fechado, cuja tristeza e revolta tomou conta completamente de sua
persona. Enquanto Jong Suk assume roupas idênticas às de Chul, em uma camiseta
branca e casaco verde militar, espelhando a que nível chegou sua transformação
ao longo dos anos – ainda mais revelador na sequência final do filme.
The
King of Pigs nos mostra uma realidade claustrofóbica, em que surpreendentemente
nos vemos tensos apenas por dois garotos se esbarrarem no banheiro, mesmo
sabendo que ambos são normalmente pacíficos. É uma realidade em que os novos
alunos aprendem a fingir sorrisos em uma semana, e que outros são expulsos em
apenas 6 meses de escola. Inúmeros personagens comentam e mencionam a vontade
de estar morto ou se suicidar, mesmo aqueles que não estão na escola. E é essa
instabilidade emocional sempre no limite que corrompe aquelas crianças, e
moldam os adultos amargurados e violentos que vimos no início. Jamais poderiam
ter crescido de forma diferente, muito menos colocado emoções em textos como
escritor-fantasma. Depois desse filme, meu encantamento pelos sul coreanos
certamente ficará apenas no quesito filmes.
@PedroSEkman
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