Saudações
do Crítico Nippon!
Não
é fácil fazer obras sobre depressão. É um tema delicado em sua abordagem,
infelizmente ainda tratado como tabu, e que já saiu pela culatra até
recentemente (cof 13 reasons why cof). Felizmente, nos animes, já renderam alguns
bons exemplares. De Welcome to NHK, Sayonara Zetsubou Sensei, Serial
Experiments Lain, Kara no Kyoukai, e por aí vai. Alguns procuram maquiar o
assunto mais que outros. O que não é o caso deste Sangatsu no Lion, com
inúmeras descrições dos sintomas e metáforas sobre eles. Surpreendentemente, o
anime encontra calor humano na maior parte do tempo, revelando-se uma
experiência (agri)doce e agradável.
Sem
possuir qualquer trama específica, o anime acompanha o garoto Kiriyama Rei,
jogador de shogi profissional ainda na escola, que mora e se sustenta sozinho.
Ele passa várias de suas noites na companhia de três irmãs das redondezas, onde
cozinham, comem e assistem televisão juntos. E, claro, basta colocar o pé pra
fora da casa delas ou dos campeonatos de shogi, que a depressão aparece com sua
fúria implacável.
Com
uma arte cujas bocas dos personagens são imensas, fazendo com que todos ganhem
uma expressão triste, o anime utiliza todos os recursos possíveis para contar
um pouco sobre aqueles personagens e suas relações. Descobrimos o passado do
protagonista gradualmente, com flashes piscando na tela em preto e branco
chapado. Radicalmente diferentes das cores do restante da narrativa, indicando
algo sombrio escondido. Por que ele mora sozinho tão novo? O que aconteceu com
sua família?
O
próprio apartamento de Rei (que lembra imensamente o da Shiki) é vazio e sem
qualquer decoração, com cores estéreis e gélidas. E o momento em que ele está
deitado no escuro, narrando sua vontade de dormir o dia inteiro, sem forças
para fazer arroz, imediatamente se transforma em uma fantasia dele nadando e se
afogando. Fazendo um corte magnífico de Rei caído numa ilha, isolado no centro
do quadro, para ele em seu quarto na exata mesma posição, expressando na
montagem como ele se sente.
Essa
relação entre afogamento e o seu emocional irá ecoar por todo o anime. Enquanto
ele reflete sobre os seus relacionamentos, ele será visto imerso; em suas
preocupações com o shogi, ele é visto imerso na banheira; e inúmeras outras
vezes se tratando da depressão.
Com
as irmãs Akari, Hinata e Momo sendo o grande alívio do anime, elas são o calor
que faltava na vida do protagonista. Extremamente carinhosas e gentis, podemos
entender perfeitamente como a vida de Rei (literalmente) depende desses
momentos de respiro. Elas vivem em uma casa pequena e antiga, mas aconchegante
e colorida. A trilha sonora muda para tons mais doces, refletindo as vozes que
enchem o ambiente e o bom humor que está no ar.
Justamente
por ser um cômodo pequeno, reforça ainda mais a proximidade de todos. E várias
vezes os personagens são enquadrados de longe, entre o vão das portas,
espremidos, salientando a união extremamente forte daqueles indivíduos. São
momentos em que a direção intercala os diálogos e risadas com imagens do
ambiente que o tornam caloroso, especialmente dos gatinhos (que falam!), da
irmã caçula dormindo, da coruja branca observando, e várias outras pitadas.
Com
frases que refletem o próprio universo do anime “Era algo amargo, doce e azedo. Tinha o sabor do término de um primeiro
amor”, nem tudo são flores com as irmãs. Akari enxerga as férias ideais
como um lugar em que ela não precise cozinhar diariamente. E é tocante Hinata
chorando pela falta da mãe, o que não deixa de ser um momento de carinho entre
ela e Rei, como as luzinhas coloridas ao fundo fazem questão de realçar.
Constantemente
utilizando uma camiseta branca e um sobretudo preto (as duas cores que
expressam seu passado conturbado), Rei é acolhido pelas garotas inclusive
através das cores. E é sintomático o momento em que elas chegam ao seu
apartamento escuro e o envolvem com um cachecol vermelho, numa metáfora literal
e subjetiva de como elas colorem a sua vida. Desta forma, quando ele se
encontra na casa delas, a avalanche de vermelho e cores quentes que o envolve é
palpável.
Com
outra personagem complexa, Kyouko, a irmã de Rei parece colocar um veneno em
cada frase que sai de sua boca. Seu reencontro com ela, aliás, é totalmente no
escuro, com o vento frio cortante salientado pelo som (radicalmente diferente
dos pássaros alegres que escutamos quando passeia com as outras irmãs). É como
se ela drenasse as cores de Rei, obrigando-o a permanecer no preto e no branco
de sua melancolia. E reparem as cores das cobertas e o distanciamento deles
dormindo. Kyouko é a única personagem envolvida por um fundo mergulhado em um
verde venenoso, sem qualquer ênfase nos pontinhos coloridos da cidade. Os
demais estão sempre banhados pelo azul ou o alaranjado do pôr do sol. Seu salto
vermelho é a única peça de cor viva, como se sua força fosse pisar nos outros;
enquanto o vermelho das três irmãs está no cachecol e nos cobertores, com sua
força usada para envolver e acalentar.
Porém,
se inicialmente ela parece ter um prazer gratuito em machucar o protagonista,
Kyouko aos poucos revela um imenso ressentimento para com ele. Com a sensação
de ter perdido seu pai para Rei e nunca estar à altura de suas expectativas. Aliás,
conforme ela vai revelando mais facetas, o ambiente sombrio que ela traz junto
vai diminuindo. E percebam a outra noite que ela passa com Rei, dessa vez ambos
com a sensação de estarem se afogando em seus próprios problemas (olha a água
aí de novo), como se compartilhassem daquele sufoco. A posição oposta de seus
corpos, no preto e no branco, me fez lembrar o símbolo do Yin Yang.
Infelizmente,
o anime não encontra a mesma força nos demais personagens. O garoto Nikaidou,
cujo mordomo o monitora via GPS, poderia render momentos inspirados, mas é
completamente desperdiçado com outros coadjuvantes. Chegamos a acompanhar
absolutamente todas as partidas do tal Shimada, mestre do menino, e que jamais
nos desperta interesse algum. Aliás, as partidas de shogi me lembraram os
piores momentos de Chihayafuru e Yuri on Ice, com avalanche de personagens e
regras que sequer estamos compreendendo. Com inúmeros professores de shogi, de
escola, colegas, rivais, nenhum realmente cativante (o que é aquele garoto de
cabelo branco?). São inúmeros episódios cansativos de jogo que parecem não se
encaixar em nada com os outros dramas, deixando pendentes resoluções
importantes com Kyouko e as três irmãs.
Deste
modo, Sangatsu no Lion é sempre melhor ao explorar a luta interna de seu
protagonista e seus ocasionais momentos de alívio. Ao passar um Ano Novo
repleto de companhias que o amam, em seguida ele já começa a sentir o silêncio
opressor de sua casa, com o barulho do ar condicionado (o vento cortante aí de
novo), e do relógio se destacando. O que o obriga a sair correndo sabendo o que
está vindo por aí. É uma luta diária que não tem hora para acontecer, mesmo que
há poucos dias ou horas tivesse vivido momentos maravilhosos. E o fato de Rei
viver numa cidade em torno de um rio, é um espelho de sua psique. A depressão
(a sensação de se afogar) sempre estará ali, ao lado, olhando pela janela.
Resta se agarrar com força na companhia daqueles que lhe fazem bem e viver um
dia de cada vez.
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