domingo, 11 de março de 2018

Sangatsu no Lion


Saudações do Crítico Nippon!

Não é fácil fazer obras sobre depressão. É um tema delicado em sua abordagem, infelizmente ainda tratado como tabu, e que já saiu pela culatra até recentemente (cof 13 reasons why cof). Felizmente, nos animes, já renderam alguns bons exemplares. De Welcome to NHK, Sayonara Zetsubou Sensei, Serial Experiments Lain, Kara no Kyoukai, e por aí vai. Alguns procuram maquiar o assunto mais que outros. O que não é o caso deste Sangatsu no Lion, com inúmeras descrições dos sintomas e metáforas sobre eles. Surpreendentemente, o anime encontra calor humano na maior parte do tempo, revelando-se uma experiência (agri)doce e agradável.





Sem possuir qualquer trama específica, o anime acompanha o garoto Kiriyama Rei, jogador de shogi profissional ainda na escola, que mora e se sustenta sozinho. Ele passa várias de suas noites na companhia de três irmãs das redondezas, onde cozinham, comem e assistem televisão juntos. E, claro, basta colocar o pé pra fora da casa delas ou dos campeonatos de shogi, que a depressão aparece com sua fúria implacável.


Com uma arte cujas bocas dos personagens são imensas, fazendo com que todos ganhem uma expressão triste, o anime utiliza todos os recursos possíveis para contar um pouco sobre aqueles personagens e suas relações. Descobrimos o passado do protagonista gradualmente, com flashes piscando na tela em preto e branco chapado. Radicalmente diferentes das cores do restante da narrativa, indicando algo sombrio escondido. Por que ele mora sozinho tão novo? O que aconteceu com sua família? 


O próprio apartamento de Rei (que lembra imensamente o da Shiki) é vazio e sem qualquer decoração, com cores estéreis e gélidas. E o momento em que ele está deitado no escuro, narrando sua vontade de dormir o dia inteiro, sem forças para fazer arroz, imediatamente se transforma em uma fantasia dele nadando e se afogando. Fazendo um corte magnífico de Rei caído numa ilha, isolado no centro do quadro, para ele em seu quarto na exata mesma posição, expressando na montagem como ele se sente.


Essa relação entre afogamento e o seu emocional irá ecoar por todo o anime. Enquanto ele reflete sobre os seus relacionamentos, ele será visto imerso; em suas preocupações com o shogi, ele é visto imerso na banheira; e inúmeras outras vezes se tratando da depressão. 


Com as irmãs Akari, Hinata e Momo sendo o grande alívio do anime, elas são o calor que faltava na vida do protagonista. Extremamente carinhosas e gentis, podemos entender perfeitamente como a vida de Rei (literalmente) depende desses momentos de respiro. Elas vivem em uma casa pequena e antiga, mas aconchegante e colorida. A trilha sonora muda para tons mais doces, refletindo as vozes que enchem o ambiente e o bom humor que está no ar.


Justamente por ser um cômodo pequeno, reforça ainda mais a proximidade de todos. E várias vezes os personagens são enquadrados de longe, entre o vão das portas, espremidos, salientando a união extremamente forte daqueles indivíduos. São momentos em que a direção intercala os diálogos e risadas com imagens do ambiente que o tornam caloroso, especialmente dos gatinhos (que falam!), da irmã caçula dormindo, da coruja branca observando, e várias outras pitadas.


Com frases que refletem o próprio universo do anime “Era algo amargo, doce e azedo. Tinha o sabor do término de um primeiro amor”, nem tudo são flores com as irmãs. Akari enxerga as férias ideais como um lugar em que ela não precise cozinhar diariamente. E é tocante Hinata chorando pela falta da mãe, o que não deixa de ser um momento de carinho entre ela e Rei, como as luzinhas coloridas ao fundo fazem questão de realçar.


Constantemente utilizando uma camiseta branca e um sobretudo preto (as duas cores que expressam seu passado conturbado), Rei é acolhido pelas garotas inclusive através das cores. E é sintomático o momento em que elas chegam ao seu apartamento escuro e o envolvem com um cachecol vermelho, numa metáfora literal e subjetiva de como elas colorem a sua vida. Desta forma, quando ele se encontra na casa delas, a avalanche de vermelho e cores quentes que o envolve é palpável. 



Com outra personagem complexa, Kyouko, a irmã de Rei parece colocar um veneno em cada frase que sai de sua boca. Seu reencontro com ela, aliás, é totalmente no escuro, com o vento frio cortante salientado pelo som (radicalmente diferente dos pássaros alegres que escutamos quando passeia com as outras irmãs). É como se ela drenasse as cores de Rei, obrigando-o a permanecer no preto e no branco de sua melancolia. E reparem as cores das cobertas e o distanciamento deles dormindo. Kyouko é a única personagem envolvida por um fundo mergulhado em um verde venenoso, sem qualquer ênfase nos pontinhos coloridos da cidade. Os demais estão sempre banhados pelo azul ou o alaranjado do pôr do sol. Seu salto vermelho é a única peça de cor viva, como se sua força fosse pisar nos outros; enquanto o vermelho das três irmãs está no cachecol e nos cobertores, com sua força usada para envolver e acalentar. 


Porém, se inicialmente ela parece ter um prazer gratuito em machucar o protagonista, Kyouko aos poucos revela um imenso ressentimento para com ele. Com a sensação de ter perdido seu pai para Rei e nunca estar à altura de suas expectativas. Aliás, conforme ela vai revelando mais facetas, o ambiente sombrio que ela traz junto vai diminuindo. E percebam a outra noite que ela passa com Rei, dessa vez ambos com a sensação de estarem se afogando em seus próprios problemas (olha a água aí de novo), como se compartilhassem daquele sufoco. A posição oposta de seus corpos, no preto e no branco, me fez lembrar o símbolo do Yin Yang.


Infelizmente, o anime não encontra a mesma força nos demais personagens. O garoto Nikaidou, cujo mordomo o monitora via GPS, poderia render momentos inspirados, mas é completamente desperdiçado com outros coadjuvantes. Chegamos a acompanhar absolutamente todas as partidas do tal Shimada, mestre do menino, e que jamais nos desperta interesse algum. Aliás, as partidas de shogi me lembraram os piores momentos de Chihayafuru e Yuri on Ice, com avalanche de personagens e regras que sequer estamos compreendendo. Com inúmeros professores de shogi, de escola, colegas, rivais, nenhum realmente cativante (o que é aquele garoto de cabelo branco?). São inúmeros episódios cansativos de jogo que parecem não se encaixar em nada com os outros dramas, deixando pendentes resoluções importantes com Kyouko e as três irmãs. 

Deste modo, Sangatsu no Lion é sempre melhor ao explorar a luta interna de seu protagonista e seus ocasionais momentos de alívio. Ao passar um Ano Novo repleto de companhias que o amam, em seguida ele já começa a sentir o silêncio opressor de sua casa, com o barulho do ar condicionado (o vento cortante aí de novo), e do relógio se destacando. O que o obriga a sair correndo sabendo o que está vindo por aí. É uma luta diária que não tem hora para acontecer, mesmo que há poucos dias ou horas tivesse vivido momentos maravilhosos. E o fato de Rei viver numa cidade em torno de um rio, é um espelho de sua psique. A depressão (a sensação de se afogar) sempre estará ali, ao lado, olhando pela janela. Resta se agarrar com força na companhia daqueles que lhe fazem bem e viver um dia de cada vez. 


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