Saudações
do Crítico Nippon!
Esta
trilogia de filmes é o meu primeiro e único contato com Berserk. Acho que tem
algum valor por eu não estar “infectado” com o anime de 97 ou o mangá, poderei
julgar facilmente e exclusivamente esta série de remakes que abrange o arco da
Era de Ouro. Contando com altos e baixos, alguns muito altos e outros extremamente baixos, a maior parte dos méritos é do estúdio 4ºC, que compreendeu a magnitude da obra
que havia em mãos. Mesmo que se atrapalhe muito em alguns momentos.
(Esse
texto só existe graças à votação do Padrim. Participe também!)
No
primeiro deles, acompanhamos Guts (cujo nome já revela muito), um guerreiro que
se encontra numa Guerra de 100 Anos e derrota poderosos adversários em troca de
dinheiro. Ele tem aquela personalidade de Manji (Blade of the Immortal),
exatamente como um brutamonte arrogante, refletindo em sua espada pesada e
bruta. É quando ele chama atenção do líder do Bando do Falcão, Griffith, e se
vê preso nas ambições deste até que, quem sabe, um dia, seja libertado.
E
é aí que começa uma fascinante história de amor entre esses dois. Eu tentei
encarar como qualquer outra, em que um adversário poderoso chama atenção de
outro adversário poderoso. Porém, esses dois revelam desejos claros um pelo
outro. E como já discuti fartamente em meu texto A Crítica, Interpretação, Opinião se os sinais estão na tela, abertos à interpretação, o argumento é
válido. Qualquer obra só se complementa com o observador. E essa é a maneira
que eu escolhi completá-la e que considero, sim, ser a mais coerente.
Griffith
e Guts são completos opostos, que se complementam. A aparência do líder Falcão
é branca, elegante, com uma espada pequena e leve e longos cabelos cumpridos.
Seu ar é enigmático e nunca sabemos exatamente o que se passa pela sua cabeça.
Diferente do explosivo Guts, cabelo curto, trajes escuros, arma pesada e sempre
sabemos o que está pensando. Além do mais, Caska claramente se vê dividida
entre os rapazes, que sequer parecem notá-la.
Aliás,
os melhores momentos do primeiro filme são as conversas e batalhas entre eles
dois. As demais relações soam vazias e inexistentes. E a relação de Griffith
com a princesa soa meramente como uma vantagem política do que qualquer outra
coisa. O que será comprovado no filme seguinte, diga-se de passagem.
Este
capítulo de Berserk soa relativamente frágil e episódico, incluindo um
“episódio” para enfrentarem o balrog (?!) Zodd que, claramente mais forte que
todos eles, foge ao ver o “Ovo do Supremo Rei” no pescoço de Griffith. Que
jamais é explicado, exceto por uma frase dizendo que ganhou de um ambulante e a
imagem mostrando o óbvio. Nada mais. O que é aquele colar? O que ele faz?
Com
sons diegéticos eficientes, notem o raspar da espada de Guts sendo tirada das
costas. E movimentos de câmera que se beneficiam da natureza digital do filme,
voando por entre exércitos e batalhas absurdamente brutais. A animação, aliás,
é fascinante, mesclando o CG com o 2D de forma mais interessante que obras como
Ajin, por exemplo. Sim, há movimentos duros aqui e ali, mas nem se compara com
essas produções novas. As guerras são de tirar o fôlego, especialmente a de
abertura do filme, deixando claro tudo que está acontecendo.
A
seguir, comentarei o 2º filme, The Battle for Doldrey, e discutirei mais sobre
a relação amorosa entre Griffith e Guts.
Muito mais fluído que seu
antecessor e com sequências de ação absolutamente espetaculares, esse segundo
filme é de tirar o fôlego do início ao fim. Aqui temos em primeira mão o auge
absoluto do Bando do Falcão.
Iniciando de forma
relativamente problemática, com um dos inimigos querendo humilhar Caska
simplesmente por ser mulher... aí Guts aparece para salvá-la. Espera, ãn?! Bom,
então a moral da história, é que, de fato, ela é uma fraca que não sabe se
proteger sozinha, isso? Como se não bastasse, mesmo ambos caindo do penhasco,
quem lutou por mais tempo foi Guts. Quem levou uma flechada na barriga foi
Guts. E adivinha quem está inconsciente ardendo em febre? Isso mesmo, a donzela
indefesa. É surreal. E claro que, alguns minutos depois, quando Guts está lutando
contra um exército de 100 homens e outros tantos saem atrás de Caska... é
Griffith quem aparece para salvá-la. Em meia hora de filme, a mulher guerreira
é salva duas vezes pelos machos. Que bela maneira de enfraquecer completamente
uma personagem.
Aliás, essa sequência
inicial, por mais formidável que seja tecnicamente, não desempenha o papel que
eu suponho que deveria desempenhar: aproximar Guts e Caska. Ela reclama dele
como sempre em um mísero diálogo e só, o resto do tempo está inconsciente.
Nenhum dos dois cresce aos nossos olhos. E é aí que entram mais pistas da
homossexualidade latente de Guts. Ele tira as roupas de sua colega e a manuseia
sem qualquer receio ou vergonha. É como se segurasse uma boneca. Não há
qualquer desejo ou tensão sexual. Radicalmente diferente dos momentos que
divide com Griffith, repleto de peso e emoções conflitantes e embaraço de um
para outro.
Deste modo, se Griffith
passa a maior parte do tempo soando enigmático, seu semblante muda
completamente ao se ver diante da perda do amado, Guts. Como se o véu de
falsidade caísse e ele não conseguisse manter a máscara. Seu sentimento de
posse para com o companheiro é a emoção mais forte que veremos em todos os
filmes. Não há qualquer envolvimento de Caska com Guts, muito menos dela com
Griffith, que soam mais distantes que nunca nesse filme.
Culminando na fabulosa
cena de sexo entre Griffith e Charlotte, que além de ser embalada por uma
trilha sonora formidável e uma direção e animação excepcionais, ainda serve
para martelar mais ainda o coração partido dele. Griffith não está ali para
obter prazer, dedicando-se a agradar apenas a parceira. Enquanto isso, vemos
flashbacks de Guts o tempo inteiro, revelando claramente o que lhe deixa
excitado. Ele está ali para disfarçar seu sofrimento e descontar sua derrota
(na luta e no amor). Terminando a sequência em posição fetal e às lágrimas,
pois não há nada que possa consolá-lo sem o seu amor verdadeiro.
Inserindo detalhes
valiosos, como os calos na mão de Guts; ou os cavaleiros do Bando do Falcão
trocando pequenos diálogos assustados antes da batalha, tornando-os mais
humanos; e reservando uma longa sequência de festa no castelo, aproximando os
personagens e fazendo-os colher os frutos por aquilo que lutaram tanto. Não há
a sensação de uma história episódica, como no primeiro, fluindo de um
acontecimento para outro com naturalidade.
É uma pena, portanto, que
tenhamos passado de algo tão maravilhoso para aquele terceiro filme
absolutamente abominável.
Iniciando o filme
praticamente da mesma maneira que o anterior, com Caska fazendo o que faz de
melhor, isso mesmo, sendo salva pelos machos. Até o loirinho, até então
absolutamente insignificante, conseguiu seu momento para salvá-la. Baita
personagem essa guerreira. É natural que uma obra que opte com frequência por
decisões absurdas como essa, seja a mesma que fez Guts abandonar o grupo da
noite pro dia e, bem, retornar ao grupo da noite pro dia. Não há explicação na
sua separação (no filme anterior) nem na sua volta.
“Quando ele lhe viu, não havia mais espaço pra
mim na sua vida.”, Caska refletindo sobre Griffith e Guts, percebendo como ela
jamais troca meia palavra com o último. É então que ela ameaça se matar e Guts
não vê outra escolha senão ter relações sexuais com ela. Veja bem, podemos
encarar como se ele estivesse salvando-a mais uma vez. Tendo que apelar até para
o sexo. Provavelmente ela seja uma recordação dos tempos com o seu verdadeiro
companheiro.
É quando os dois homens
finalmente se reencontram, choram e finalmente temos alguma emoção na tela. Ao
invés de bonecos que não falam uma palavra um com o outro nem expressam nada
(cof Caska cof). É tocante também ver o incômodo de Griffith com Caska indo
trocar suas bandagens, quando claramente queria brincar de enfermeiro e
paciente com o moreno alto, lindo e sensual.
E acho que só consigo
comentar até aqui. O resto é a maior bagunça que eu já assisti em toda minha
vida. Incluindo um eclipse que dá vida a gigantes, zumbis, uma espécie de
medusa, alguns demônios, e monstros. Eu não estou brincando, isso tudo começa a
acontecer em um piscar de olhos. Até então o único ser sobrenatural da história
foi aquele Zodd, do primeiro filme, parecendo um filler mau colocado. Mas agora
metade do filme envolve as bruxarias mais variadas.
Praticamente tudo ocorre
sem maiores diálogos, e quando alguém fala, são aqueles papos de anime
filosofia de boteco. Qual o sentido da vida, da morte, de onde viemos, pra onde
vamos, a felicidade, o amor, a morte... Vocês conhecem esses monólogos, não
conhecem? Mas mesmo que escolhemos ignorar completamente essas falas vazias,
como fazemos com todos os animes do mundo, não dá sequer pra se concentrar na
ação. O que exatamente precisa ser feito nesse caos? Tem que matar quem? Por
quê? Como mata? É um sonho? É outra dimensão? Como? O que diabos? Céus.
Ainda que encontre tempo
para salientar o amor dos heróis, com Guts gritando “Ele é meu!” várias vezes.
E, claro, Griffith querendo se livrar da moça que está tomando o seu homem. Mas
mesmo esses pequenos momentos são completamente abomináveis tamanhos os
absurdos que os acompanham.
Em suma, esta trilogia
Berserk teve um gosto amargo demais. Apesar de um capítulo do meio realmente
bacana, o primeiro começou apenas razoável. E este final foi absolutamente medíocre. Não há personagens memoráveis (praticamente não houve
secundários e antagonistas) nem uma trama de maior complexidade. O que fica é
uma leve lembrança da animação de tirar o fôlego e de sua trilha sonora
delicada e magistral. De resto, eu espero esquecer o mais depressa possível.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu "Crítico Nippon")
Twitter: @PedroSEkman
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